...do amor
 
“E neste árido deserto, que arde e assombra...
Tenhamos sempre a confortante glória
De abrigar quem padece, à nossa sombra...”
 
Teixeira de Melo
 
     Que sombra fúnebre... cerra as minhas pálpebras, dói aos meus ouvidos. O silêncio sentencia o meu voto, ponho-me a pensar, isolamento... Sinto-me fatigado e pouco entendo. Como pode uma força tamanha, ou ao menos acreditava que o era, comparar-se ao maior dos vazios? Fantasmas povoam a mente. Um deles assombra o meu dia e a minha noite. Indolente, insano... eu o deixei fazer isso? Não controlo cada segundo de angústia, mas seco a lágrima que teima inocentemente em me afastar de um deserto de escassez. Quero extirpar a dor e doá-la ao coração de outro para que seja provada a minha verdade.
     “Imbecil... Louco... Vai ceder aos prantos do tempo, o velho museu das lágrimas sepultadas? Pouco adiantará chorar e regar um deserto... sozinho? O sol ri de você... Segue a tua vontade, eis o teu caminho.”
     Sábio conselho expresso por aquele que não sabe do que fala, imoral explicação do imprudente. Rasga teu projeto, não quero vê-lo. Quem és tu para dizer-me a minha verdade. Não podes me ajudar, tolo és, nem a tu o farás.
     Sacio-me dos meus desejos, renovo-os...
     Mas e o mel que sobeja meus lábios, a rosa-perfume que me tira o sono? E sonho acordado por um coração capaz de bater por esse estorvo de desejos nefastos, medíocres obras voluptuosas de um órfão de prática na teoria... Mas me gabo da minha angústia... Estarei mais vivo ao espelho? Quebrá-lo-ei de ódio por esse fim que tomou!
     Não suporto mais esse ciclo de condolências. Elogios e conselhos em vão, só irradiam o dia tempestuoso em que acordei... Tanta chuva está afogando a semente que plantei. Não é preciso regar mais. Plantá-la-ei mais ao fundo, para que tenha a chance de brotar, para que a chuva escorra suave e o vento seja sopro aos galhos nascidos. Quem sabe belos frutos poderão rir de toda a tempestade quando o sol irrompê-la...
     Mas e os dois horizontes azuis? Fixação num céu sem estrelas ou numa estrela sem céu?
     Uma voz sussurra: “achei-o atravessado no destino, levanta-te do chão e reconhece a tua altura. Olha bem ao horizonte até que anoiteça e resplandeça em estrelas, tuas estrelas... Um torporoso abraço encerrará a tua prece. Os horizontes azuis o seguirão por toda a vida...”
     Preciso mirá-los e conquistá-los, sem varrer-me o significado com tórrida verdade. Falseia a busca nesse isento sentido de ser, balança e pende para o teu lado.
     Amo-te? Exaspero-me na dúvida, queixo-me da certeza.      Digno sentinela ávido por descobrir a surpresa. Alento vagaroso por temor a uma meia-felicidade. Não se pretende o meio-termo, mas a intensa chama que arde aos olhos e os une por reflexo. Se falam de ti, ouço como nunca ouvi um rouxinol. Se elogiam-te, emociono-me aos prantos. Se repugnam-te, odeio-os todos. Defendo-te com minha fraqueza a não assustá-la, assim como o mar lembra pelas ondas ao homem que não se foi em definitivo, e o abraça sem afogá-lo.
     Uma miragem, um vestígio... Uma ilusão apetecida... Enfadonho mundo sem amor... A esperança eterna dos sonhos e das promessas... Jamais se desfalecerão em seu abraço... Onde caberia o amor eterno? Nessa vida fugaz? Onde esconderia as brasas a esperança? Nas cinzas do coração? Sentimento tão magnífico se alimenta de humildade. Pronunciá-lo requer um misto de impulso sincero e perspicaz insanidade...  
     Quero extrapolar sim uma sensação... Quero selecionar o que sinto, sentir sem perceber, ou perceber sem ter que escolher... Mas será realmente possível explorar sem perceber? Não obstante, a percepção isola-me do universo caótico que me consumou e consome a cada pensamento que manifesto, sem ceder-me os ouvidos para o tom de voz que enuncio... Mesmo que soe inútil, escolho fazê-lo sem prender-me enclausurado nos meus anseios, evitando-os, tolhendo-os... Mas escolher, dependo disso para ser humano...Eis a prisão!
     “Em que cilada foste te meter... De dia os pensamentos são mais claros, mas pouco profundos e de noite, confusos e derradeiros. Já disseste com olhos, gestos e ouvidos... Já reafirmaste sonoramente as tuas intenções. Vasculhaste o baú da cautela e enterraste todas as velharias, ou criste que o fez. Atenta-te ao próximo passo, uma coincidência a guiar-te. Como que espera por um sinal das horas, negligentes com teus sentimentos. Difícil arte... tal qual sombra, sem existência própria, arrasta-te ao chão, mimado da noite, esperando que caia sobre ti. “
     Desabafo mas preciso enredar o resto de minha vida... Não existe outra forma pela qual posso viver, independente do amor? Quero-o como um amigo, não uma algoz testemunha da minha covarde fragilidade: gastar os meus dias de sol de olhos fechados, à espreita de um futuro que não tardará em não falhar?
     A morte... Sete palmos de terra me manterão “eternamente” longe de ti. Perco meu tempo sem tua presença e antecipo a dúvida de qualquer decisão. Agora, mais do que nunca, é preciso impor o meu ritmo... O meu ritmo, o meu amor... Estou só nessa escadaria, sem corrimão, nem final ainda posso enxergar... Jamais chegarei a vê-lo. Somos “conscientes” de todos os momentos, repentes sensações humanas, exceção do exato momento de morrer... Não consigo continuar... Talvez falte a ti... O que fazer? Meu Deus, o que fazer? Sábia decisão de desprender-me do rebanho até o momento em que resolvi fazê-lo... Vertigem... acho que irei desabar... Não vejo sombra, não há... chão!!!
     (...)
     A minha semântica é podre... Não tenho palavras para expressar, mas não deixo de tentar... Por quê não canso? Quero dormir... Sem sonhos ou pesadelos... apenas dormir...  Chego a rir das minhas vaidades. Contemplo uma memória, apenas uma... São tantas que incham esse bócio de neurônios, todas frágeis... Escolhi uma para experimentá-la e torná-la rígida, galho firme, uma rocha... justamente a mais maleável de todas, inconstante, tal qual essa nostalgia reverberativa que me encerra. Insisto em torná-la confiável... Não percebo que incito a mesma desconfiança...
     “Nem pudera perceber a magnitude da tímida dúvida que devastaste tuas verdades... És o que pensas ser... Tens poder sobre tudo, pois nada existe que não seja para ti! Beduíno errante... Não se desdenha a própria verdade... O teu destino é construir o teu destino... A tua realidade é a tua verdade... Algo fora de ti? O que pode ser? Não é nova realidade... Pode criá-las todas! Extrema autonomia de um herege candidato a Deus!!! Teu próprio voto não é teu, amedronta-te diante de um trono... Rei de muitos reis, em que cada qual se auto-idolatra? Simpatia idiota... No fundo de tua alma sabes que não dará certo... “
     Coração descompassado... Onde foi parar o meu ritmo?
     A dádiva da conquista não é o fim, mas o meio... A conquista faz morada na ação e reação. De que reação vos fala, porém? Recusar-me-ia alguém a sombra que ofereço? Venderia as únicas horas da noite restantes, a contemplar a chuva enrustida nos horizontes azuis, em que nuvens e sol fossem personagens desse meu protagonismo...
     “Ainda acreditas no amor? Egoísta... Quão capaz é de desejar o pranto alheio? Queres ter controle das outras lágrimas, fazeste delas o prêmio pelo teu espírito individualista e nebuloso? Irriga os campos da franqueza e usa-te da tua fraqueza com sinceridade...”
     Doença... talvez o seja... Despoja-me do teu tom erudito... O que tenho a dizer não deve ser dito. As palavras falham ao ouvido quando o coração grita! O lago do desejo queima mesmo quando as atitudes são pedras de gelo arremessadas. Receio o dia em que puder enxergar através de outros olhos. Ver-me frágil, destemido solitário, acolhido pelo tempo... Tempo que enterrará as flores lado a lado, em túmulo esquecido... Temo que seja assim...
     “Pobre escravo da emoção... Nunca houve poesia que o imitasse, palavra que o expressasse... O amor, tentaste entendê-lo... Em nenhum momento percebeste que tudo isso o contempla, tamanha insensatez... Não que seja impossível explicá-lo. O inexplicável é o amor... És livre e não possuíste as pessoas. Tens apenas o amor por elas e nada mais... Um instinto que credencia o teu choro, desnuda-te a paciência... Conseguirás ‘libertar-te’ deste vício que reprime o teu medo de viver? Creio que jamais o fará...”

 Leonardo Faria

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Enviado por mindasks em 21/06/2012
Reeditado em 22/06/2012
Código do texto: T3736517