Recomeçar (Resposta póstuma ao nosso irmão, poeta Odair Silveira.)
RECOMEÇAR
Do ponto onde estou, já consigo ver com clareza e um certo cansaço que me invade os músculos e a alma, o caminho que com meus pés sangrando, abri nesta minha longa e particularmente solitária estrada.
Olho para trás e percebo que em muitos pontos dantes desertos e sem vida, flores lindas e coloridas ladeiam as margens do caminho regado com meu sangue.
Sinto-me confortado e concluo: valeu à pena.
Em outros pontos percebo a presença de roedores, peçonhentos, animais rastejantes e traiçoeiros, que durante breves momentos de descanso e distração, aproximaram-se de mim e antes mesmo que eu percebesse, fizeram cumprir suas metas em minha caminhada. Sobrevivi e mesmo ferido, doente, envenenado e por vezes roubado em minha fé e humana crença, amedrontado: prossegui entristecido, mas... Prossegui.
Cascatas, fontes de águas límpidas, em outros pontos da estrada fiz brotar à unha. Para que os transeuntes, de passagem por essa minha vida, tivessem onde se refrescarem e matarem suas sedes antes de partirem para suas próprias caminhadas. Esses não roubaram nem envenenaram, apenas cumpriram sua sina, em tempo. Deixaram boas lembranças, é muito bom isso. Foram pássaros, aves do paraíso; enquanto saciavam suas sedes em minha fonte semeavam ao seu redor um lindo jardim de viçosas cores, matizes e luzes.
Para minha alegria, de tempos em tempos voltam e então: Sinto a presença de Deus em meu caminhar...
Como disse antes, do ponto onde estou, posso comentar a estrada já percorrida. Mas o faço rapidamente para não perder o foco da minha estrada. Assim, rapidamente olho para frente, e vejo: terra virgem a desbravar. E ela está bem ali, ao alcance do meu próximo passo a me desafiar, a rir de mim, do meu cansaço, dos meus sangrentos pés descalços, de minhas mãos em carne viva.
Caminho novo, numa estrada plena de antigas marcas.
Certezas? Apenas uma lá no final, reside e amedronta. Para chegar lá, me lanço nessa longa caminhada que incansavelmente vou trilhar mesmo diante de meus doeres e sentires.
Quando será? Como vou estar na grande chegada? Não sei. Vou caminhar e esperar, nunca me desesperar em meu deserto.
Meu etéreo vagar, meu primitivo lugar, minha estrada incerta e concreta, decretada pela vida, onde finquei meus primeiros passos, enraizei, vaguei...
Sem parar, esperar, sem parar...
Caminhar e esperar
Vou em frente
Firme e forte
Sei que minha espera
É tão longa
Quanto à certeza:
O fim.
Que virá me abraçar,
E então,
Findará o caminhar e
o esperar...
E a estrada?
Ressurgirá, eu creio
Para o meu novo
RECOMEÇAR!
Odair Silveira
Recomeçar (Resposta póstuma ao nosso irmão, poeta Odair Silveira.)
Um sorriso amargo,
cinzas brumas...
Um dito nefasto,
em egoísmo sobrevivente,
sorridente, com o ardor
do inferno alheio, mergulhado
no mar da desonra, que assola
a pobre vítima com o punhal
cravado nas costas.
Coração esmigalhado pela dor
dilacerante das mentiras pronunciadas inocente.
Falso cometido contra seu irmão,
abusou das forças da natureza,
que em revolta grita as verdades,
desmascarando o algoz que, humilhou,
rechaçou, pisou na cabeça, jogou a moral na lama
imunda do seu eu interior perverso, fazendo com
que, todos que olham-no, aponte seus dedos trevosos
e gargalhem de sua desgraça.
Zombeteiros!
As águas das cachoeiras enegreceram em sua ira;
O senhor dos caçadores flechou condenando...
Os trovões riscaram o céu escuro e,
a guerra feneceu em sua ira, espalhando
os relâmpagos desordenados.
O tempo segue...
Que venha a justiça!
Ele, escorado em fragmentos de fraqueza
enternecedora, tentando seguir...
Salvar sua vida, ensangrecida
pelas chagas abertas,
respirar, prosseguir, recomeçar.
Ela...
Pariu bestas.