"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: 'pensava que, somando as compreensões , eu amava'
Não sabia que, somando as incompreensões é que eu amava verdadeiramente."
                                                                                       Lispector

                                                                                                            
 




                                                Paixão de mulher
 
            Esta mulher apaixonada mexe com o garoto levado que todo homem traz dentro de si, que só pensa em fazer artes, mesmo que seja castigado depois. Não importa.
            Esta mulher apaixonada é  capaz de vir a nado pelos rios profundos da  vida do seu eleito.
            Ela é a sua  maior torcida, capaz de brigar com  meio mundo só pra  vê-lo  ganhar esta partida. Ela acredita tanto  no amado,  que já  o vê  imortal e que não tem nada neste mundo que a  tire dela. Faz profecias, mexe nos horóscopos, procura  o seu  destino e em cada porta que ela abre está sempre escrito assim: “ele é meu, ele é meu, só meu”.  Tem toda a certeza do mundo que o amado é o  prêmio dela, que  é a sua  salvação, o próprio  céu,  o mel da vida dela.
            E ele , com olhar moleque, louco pra fazer traquinagens, gosta de apreciar os passos dela.  De noite, vagueia pelo quarto, sonha acordada, dorme de olho aberto, faz poemas, procura saber  das  preferências dele  e fica atenta ao que  ele escreve. Lê somente nas entrelinhas,  e como lê bem, acerta quase tudo. De manhã,  acorda suspirando, tomando seu café forte e bem quentinho e sonha  encontrá-lo  no seu jardim, onde planta rosas que é para perfumar sua  passagem.  Está sempre pronta para o encontro, que pode acontecer a qualquer momento. Toma seu banho, se enfeita e com toda pressa,   espera,  espera.
            É muito lindo ver uma mulher apaixonada. Se veste de lantejoulas.  Vê tudo azul, vai atirando flores para todos os lados, até o deserto vira mar, por onde ela navega com destreza, porque a bússola do seu coração não se engana. E lá vai ela interpretando o amado, vê encantos nas suas ausências, nas palavras que deixou de pronunciar. Intui as vacilações do amado, mas interpreta como mais um passo dele em sua direção. A emoção a mil, oscila entre o grito e o silêncio que acolhe.     Quando se cansa,  vira vaso de flores à espera do amado.
            E o que mais quer este moleque que está dentro do amado, espiando esta saraivada de emoções que vão da tempestade à bonança?  Ele quer o que toda criança carente quer:  roubar esta rosa dentro do vaso, que parece pedir: -“me arranca daqui, me leva daqui, pode puxar com força, vou adorar... “