Geometria também é poesia
Geometria também é poesia
Geometria é a parte da matemática
cujo objeto de estudo é o espaço
e as figuras que podem ocupá-lo.
Circunspectos, definem os matemáticos.
Pobre poeta... Infeliz escolha temática
Desafiado sobre elas falar.
Geometria plana... no sentido elementar.
Não tenho régua nem compasso.
O quê que eu faço? É desafio, cilada?
Armadilha? Redondilha?
Disfarçar é preciso...
Disseram que eu era craque em matemática,
incompetência não posso demonstrar.
Vamos lá!
Que venham as tais figuras geométricas.
Atabalhoadas, pela minha mente, começam a se delinear.
As primeiras são as planas. Simples.
Uma só dimensão. Conquistaram-me.
Sobre elas é mais fácil explanar.
Basta um único traço para dividir o espaço.
Admiro-as, defendo-as e até as invejo.
Com elas me enrolo, me embolo, rolo, encosto,
tropeço, esbarro, invisto, revisto, visto,
desviro, me firo e até suspiro.
Esqueço a mulher para ser a criança.
Vamos brincar de ciranda?
Abrindo o desfile, lá vem o círculo.
É redondo e pronto. Bela Argola!
No dedo, a madame o exibe,
como se marido ter, status fosse.
Nem imagina, a coitada, que o folgado
horas a fio, em outros lençóis se regala.
Cravejado de brilhantes, esmeraldas, safiras,
É democrático. Vai da passarela à favela.
Delicado enfeita o dedo da doce menina
Imponente, o anular nodoso do magistrado, togado
e até no dedo mindinho do irreverente sambista.
Respeitosa, a freira o exibe, casta devota do Deus menino.
"... Ah, que saudades que eu tenho
da aurora da minha vida..."
Ah, poetas... e suas rimas...
Eu bem me lembro, cenas nítidas
na minha memória cravada
dos moleques da minha rua,
pés descalços, calejados, empoeirados,
camisas listradas, esgarçadas, encardidas,
calças só até os joelhos, esfolados.
Orgulhosos em manter em equilíbrio
seus aros enormes, arduamente conquistados,
A desafiar as leis da física.
Pouco a frente, na humilde pracinha
as meninas, nem sequer para eles olhavam
Concentradas, em coro, cantigas a entoar:
"... Se esta rua... se esta rua fosse minha.
Eu mandava, eu mandava ladrilhaaaarrr..."
E onde iriam os moleques seus aros manejar?
Saudades das "cantigas de roda" ao cair da tarde,
brincadeira inocente de criança. Mãos dadas,
em círculos, a girar... girar... girar...
O círculo também é vaidoso.
Vez por outra, sutilmente, contorna o azul celeste
ou o esverdeado azul da cor do mar, nos olhos do galã da novela.
.Desmaios de fanáticas fãs. Falta-lhes o ar.
Frustração e inveja dos coadjuvantes.
Bastaria um compasso e num contrapasso
em movimentos precisos, da ponta afiada e colorida
círculos brotariam, de todos os tamanhos e cores.
Em minutos, já seriam milhares. Magia no ar!
Coladinhos, coloridos, coordenados, entrelaçados,
cinco círculos.Azul, amarelo, verde, vermelho, preto
Todos os continentes ali representados,
Tema para o professor de história,geografia
artes, ou talvez educação física.
Nesta contenda eu não vou entrar.
Que privilégio para estes redondos,
na Bandeira Olímpica figurar!
Ela é minha... e nossa... é de todos.
Sem aqueles círculos milimetricamente
traçados, que graça teria?
Eles é que lhe dão vida, alma. Tudo dizem
sem uma sílaba sequer pronunciar.
Também não dispensa grandiosas façanhas
Ah, o espaço cósmico é o lugar perfeito para seus
dotes exibir. É presunçoso...
Orgulhoso é o contorno do nosso planeta,
grão de areia desta galáxia de nome pomposo.
A nossa estrela maior, a ele se rendeu,
e no nascente, todos os dias surge majestoso,
bola de fogo gigante, círculo imponente,
Estrela de 5a. grandeza : o astro Sol!
E em certas noites, quando reina a escuridão
Ela aparece, debochada, a se exibir,
nem tão branca, meio amarela: a Lua cheia.
Cara redonda, um dos lados meios amassados.
Musa de poetas, enamorados, de lobos uivantes.
Pó e pedras, sem gravidade.
Acompanha sem recato, sem convite, sem bagagem
a viagem de recém-casados.
Há anos perdeu a virgindade.
Os homens a conquistaram.
No seu leito empoeirado e pedregoso,
cravadas estão, para sempre, as pegadas
dos destemidos astronautas.
Com tantos predicados, sua fama se espalhou,
intrigando os matemáticos...Este círculo...
Não tem princípio, nem meio, nem fim.
Nada. Só dentro e fora.
E, então, com um bisturi, o seccionaram
num ponto qualquer. No plano o espicharam,
para seu comprimento medir:
E a esta medida deram o nome de PERIMÊTRO.
Unindo novamente as duas pontas, volta a ser círculo.
Uma reta pelo seu centro traçaram.Lado a lado.
Eis que surgem dois semi-círculos
E uma nova medida. Ao tamanho desta reta
deram o nome de DIÂMETRO.
Mede aqui, acolá, compara, divide,multiplica, adiciona,
incansáveis, pesquisam círculos de todos os tamanhos,
médios, grandes, enormes, diminutos, gigantescos.
E finalmente um relação indiscutível puderam comprovar;
"Em qualquer círculo, a razão entre o seu perímetro
e o seu diâmetro é uma constante. Uma dízima periódica
e a batizaram de "PI".
PI = 3,1416...
E daí? indaga o poeta. Pra que serve este tal de pi?
Nome minúsculo, irritante, intrigante,
Letra grega, grafia com cara de mandarim.
Mas esta constante é uma dízima periódica.
Não é exata, vai até o infinito, que não tem fim.
São sádicos - ou sábios - estes matemáticos.
Tempos depois...
os cientistas descobriram a aplicação
o valor e a importância desta relação.
Estupefatos perceberam
que "PI" está em todos os lugares,
na rotina do dia a dia, no quebrar das ondas na praia.
No movimento das engrenagens e rolamentos
no trajeto diário das estrelas no céu,
na propagação dos campos eletromagnéticos...
Que enfado...
Calcular, medir, definir a órbita de cada planeta
da Via Láctea e de milhares por ai espalhadas...
Chega! A turma já está saturada.
Os seus rolamentos e engrenagens emperradas...
Querem mesmo, agora, sem demora,
aquela rede remendada. Uma de cada lado.
Uniformes gastos, tênis velho, para que chuteira?
e aquele campinho de grama escassa e muita poeira.
E ela, a bola, já meio gasta, mas bem cheiinha.
Pentágonos bem costurados. Impecável rainha.
Com platéia, juiz, aplausos. torcidas...
Chega de andar em círculos.
Vamos mudar de assunto
De pato para ganso, mudança radical
Vamos falar do quadrado.
É muita monotonia... tudo igual..
Avesso, direito, quatro lados, quatro cantos.
Quinas, ou esquinas: quatro.
Tudo reto, rígido, monótono, enquadrado.
Nenhuma variação, jogo de cintura, gingado.
Nunca se sabe se está deitado, em pé, ou de lado.
Ah, esses quadriláteros...
Área igual lado vezes lado: LxL ou L²
Perímetro = L+L+L+L ou 4xL ou 4L
Como sabe ser enjoado!
Displicente, apresentou-nos um parente,
com ele bem parecido,
mas com dois lados paralelos
um pouco mais alongados:
O RETÂNGULO.
Dependendo do lado em que se apóia
pode parecer sentado ou deitado.
E mais versátil. Tem quatro ângulos, todos retos
como seu parente, o quadrado.
Dividindo-o ao meio, na diagonal,
muda de forma, de nome, de ângulos,
até da página do dicionário.
Se reproduz. Vira dois, cada um com três lados.
Nasce ele, o famoso e conhecido TRIÂNGULO.
Aquele das Bermudas? Faz piada um engraçadinho.
Quer saber de uma coisa? Esta não é a minha praia
Pergunte ao professor de geografia.
O poeta gosta é de provocar... de vez em quando,
só para variar..Agora falando de geometria.
Esta figurinha versátil. Dissimulada.. este triângulo!
Nem redondo, nem quadrado, só três lados.
Que podem ser todos iguais, só dois iguais e um diferente
ou os três de diferentes tamanhos.
E por isso receberam sobrenomes requintados:
Isósceles, escaleno e retângulo.
Aprecia música, inclusive samba e pagode.
Seu passatempo predileto é infiltrar-se no meio
de uma relação amorosa.
Para confusão provocar. Que safado!
Na mão direita a eterna maçã do amor.
Vaidoso ostenta, com galhardia, um cognome
"Triângulo Amoroso"! Deve sentir-se o gostoso!
Pra que desarmonia? Disputa? Vamos viver em paz!
Três lados, três pontas, cabem três pessoas nesta relação. Uma de cada lado.
Que culpa tenho se nasci impar?
Sou feliz deste jeito. Equilibrar-se nas pontas, pra quê?
Basta cada um assumir o seu lado.
Eu só não tinha entendido
porque um deles recebeu o nome de triângulo retângulo.
Se é triângulo, não pode ser retângulo.
"É porque tem um ângulo reto" esclarece o matemático.
Lado paralelo, lado oposto, ângulo reto, cateto...
Como fica a cabeça do poeta?
Mas não se pode falar sobre triângulos sem mencionar
com todo o respeito, um grego famoso,
competente, de nome pomposo:
PITÁGORAS!!!
Matemático, músico, pensador, astrofísico.
Tá bom ou quer mais?
Viveu anos antes de Cristo. É AC.
Então tá explicado! CQD.
Sem tv, internet, celular, vídeo game...
Restou-lhe os números e os astros
Fez deles sua eterna companhia.
Desconfio até, que ele tinha uma
certa predileção pelo triângulo retângulo.
Foi ele que descobriu uma relação
quase fraternal entre dois de seus lados,
os chamados catetos, que formam o ângulo reto.
com o segmento maior, a hipotenusa.
Provou que a soma dos quadrados dos catetos
e sempre igual ao quadrado da hipotenusa.
Tudo isso resumido na simples fórmula:
A² + B² = C² - "Teorema de Pitágoras".
Pronto. Seu nome ficou gravado na história.
Não existe estudante no mundo
que não tenha se deparado com esta fórmula.
Fico a imaginar o poeta tentando ensinar geometria
Deve ser engraçado.
Jaleco branco, quadro negro, não verde. Giz, não,
Ele é alérgico. É caneta. Tempos modernos...
"Vamos galera!, tomemos um simpático triângulo,
tracemos uma delgada hipotenusa"...
"Delgada" nos lembra curvas, e a hipotenusa é tão reta
tão magrinha, espichada. Nenhuma curva. Nada sensual.
"Traçar" a hipotenusa por pegar mal.
Duplo sentido, sentido dúbio.
Não,melhor no sentido literal.
Mas... parece que a emenda ficou pior que o soneto.
Se é que você me entende...
Desisto. Vamos esquecer o triângulo, a hipotenusa,
os catetos, o retângulo, os ângulos, lado paralelo,
Lá vem o quadrado com a sua musiquinha de rica rima:
"Ado... ado... ado...
Cada um no seu quadrado..."
Vou sair de mansinho, por debaixo dos panos...
Ô poeta! esqueceu-se do trapézio?
Lá vem de novo o matemático.
Só o nome já parece uma figura.
Trapézio para o poeta lembra circo, palhaço,
pipoca, argola, bola. E a corda bamba?
Foi um círculo que cortaram e amarraram as pontas?
Dizem que o triângulo vive pelo circo deambulando
pelos bastidores, entre o palhaço e a malabarista.
Da mulher barbada, quer distância.
É inconveniente, galanteador, incorrigível farrista.
Cale a boca poeta! Grita o matemático.
Não vamos mudar de assunto.
"Bem, alunos, o trapézio é um quadrilátero...
(Hum... já ouvi esta estória, resmunga o poeta)
Tem quatro lados. Dois desiguais e paralelos
ou também poderíamos dizer que tem
dois lados paralelos desiguais."
O poeta se inquieta. Isto está me parecendo
um retângulo com dois triângulos, um de cada lado.
Imaginem só, um triângulo já dá trabalho, e dois?
Olho bem para o trapézio.
Tá sobrando ou tá faltando um pedaço?
Se eu fosse um aluno entortaria um retângulo
só para confundir o matemático.
Deveria ter saído, de mansinho, por debaixo dos panos...
Falar de circo e não de círculo.
Quero ser palhaço no palco da vida,
brincar de argola, bola, dançar na arena.
Para a bailarina fazer poema...
Ah, meus devaneios...
O mestre continua suas explicações:
"Trapézio pode ser também um aparelho ginástico,
formado por uma peça cilíndrica, de ferro ou madeira
de cujas extremidades se elevam duas cordas finas
presas no teto numa barra horizontal"
Palavreado sofisticado.
Cada vez mais complicado... afinal são matemáticos...
Tive um ideia... Os poetas e suas idéias...
Mas poeta tem idéias? Poetas tem é inspiração.
Pensam que poeta é bobo?
Enganaram-se todos.
Imaginem um pedaço de madeira. quadrada ou retangular
preso por duas cordas, uma de cada lado.
Amarradas numa barra... não!... Quer dizer, num galho,
aquele mais grosso da frondosa mangueira.
Bem no fundo do quintal, perto da bananeira.
Ao lado da frondosa laranjeira e do limoeiro.
Trapézio que nada. Esqueçam a geometria.
A geringonça está pronta.
Vejam que prático balanço!
Alguns o chamam de gangorra.
Palavra de som nada harmonioso,
Parece voz de velha rouca.
Balanço soa melhor...
Balanço, balançar, balanceio...
movimentos simétricos, parabólicas no ar.
quanto maior o impulso mais alto lá vai ele.
Lei da física. Friozinho gostoso na barriga...
Não precisa ser trapezista, nem equilibrista.
Segurem firme. Resista.
"... Ô Balancê... balancê....
Quero dançar com você!..."
Que se danem os matemáticos, os físicos,
os malabaristas, os trapezistas...
Ô triângulo, fique ai quieto. Não dê palpites.
Se quiser participar, entre na fila.
Ou vá se refestelar nesta sua hipotenusa.
Dê cá um pedaço desta maçã.
Não seja egoísta. Controle seu apetite.
Ah,.. que delícia...
O Adão tinha razão.
Para desta fruta provar,
do paraíso, até eu desistiria.
Agora senhores matemáticos, contabilistas, físicos
trapezistas, equilibristas, economistas, financistas,
Aceitem o meu desafio. Vamos inverter os papéis.
transmudem-se em poeta, trovador ou repentista.
Assim poderão provar
que poesia é também geometria, rima, simetria.