Das margens ao capítulo I: Da existência
Antes mesmo de fazer as últimas travessias já me sinto capaz de falar, é algo que me não escapa as mãos. Se em criança a vida não mostrava seu fado, em adulto ela o fez com todas as armas. E se refletia com a inôcencia pueril a necessidade de algum incidente em minha vida para que ela se fizesse diversa, gritante, para que alguns olhassem e disessem:
_ Pobre menina! Nada disso teve minha infância, não me fiz orfã, nem tive vida difícil, nenhum problema ou situação enfrentei que me fizesse reconhecida em meio as muitas crianças iguais a mim: menina tímida, quieta, sempre a barra da saia da mãe. Nada, nem um despaltério que chamasse a atenção a minha existência. E se pensas que não era amada, era, era a criança mais amada do seio familiar. Nada tinha que pudesse me queixar, nada tinha que descobrisse em mim para poder revelar agora. É certo que era feliz, mas não deixo de lembrar que isso me entristecera várias vezes. Ora! Ser feliz, e blasfemar?! Menina de sorriso doce, e o tom sarcástico que só os anos puderam aflorar. Vestidinho vermelho, sapatinho preto e meia branca, é a visão que me vem a memória. Não é nessa doce fase da vida em que muitos precisam fazer a primeira travessia que pude me ver de verdade. Demorou, demorou muito, para que eu entendesse onde estava toda diferença que eu procurara. E se há um tom de sadismo no que lês, esquece-te dele, nada há de sádico ou sarcástico nessas páginas que irá ler, quando muito posso dizer, irônico, não da ironia Machadiana, de riso no canto da boca. De uma irônia doce, pode-se dizer, porque se não há de ser histórias de princípes e princesas, também não há de ser leitura de crueldade, apenas uma pincelada das vivências da infância, que me fizeram assim. Depois as longas páginas que desembocarão, depois de muito percorrer, ainda na primeira margem. Das páginas de um diário aos doze anos de idade, parto para a visão lírica da existência.
Sofia