Aonde andará a Bundudinha?

Nosso primeiro encontro aconteceu em um domingo. Era quase 9 horas quando no meu café ela surgiu. Achei-a engraçada e tentando uma aproximação joguei-lhe uma pequena quantia de açúcar e ri ao perceber sua movimentação com aquela bunda enorme. Comeu todo o açúcar e desapareceu.

Retornou no outro dia. Para ser sincero, quando me levantei ela já estava ali e o ritual do açúcar repetiu-se. E assim foi por uns 90 dias.

Aprendi a lhe querer bem, contei-lhe alguns segredos e sobre minha solidão e por algumas vezes tive a impressão que ela se compadecia com minha dor.

Nunca soube seu nome, mas dei-lhe um apelido: Bundudinha, sem saber se isso a agradava ou não. Interessante era quando o telefone tocava – suas duas ‘antenas’ enrijeciam no sentido vertical sem mexer um milésimo de milímetro e assim permanecia até o final da conversa. Isso me fez crer que ela sabia o meu nome. E alguns segredos também.

E desde terça-feira não a vejo. Chamei-a diversas vezes para me acompanhar no café, sem sucesso. Procurei-lhe pelos cantos, perto do aparelho de telefone, nos açucareiros. Nada.

Poderia ter morrido! Claro, formiga também morre. Mas sinceramente essa preocupação logo desapareceu. Consultei alguns velhos livros sobre animais (onde encontrei pouca coisa sobre formigas) e me ocorreu que ela poderia ter entrado no cio – peculiaridades de animais -, e ter indo em busca do parceiro ideal. Aí comecei a formular perguntas tipo: formiga também passa por isso? Quanto tempo dura a gestação? Sofre com a TPM?

Também imaginei que a Bundudinha pudesse estar grávida no período em que me visitava – mãe solteira, e por isso expulsa do formigueiro pela sem-vergonhice – coisas de animais. Aliás, nem sei se formiga engravida e até pensei em escrever para o programa Globo Rural perguntando sobre a vida sexual delas, mas temi ser mal interpretado.

Embora não tenha chegado a uma conclusão, me pergunto: voltará ela um dia a comer açúcar no meu café matinal? Traria seus filhos e quantos seriam? A boa filha à casa volta independente de não falarmos a mesma língua?

Mas se acaso voltar, carinho e açúcar não faltarão e prometo não lhe interrogar sobre seu passado. Afinal de contas temos que respeitar o passado de quem quer seja, pois que atire a primeira quem não andou, mesmo que só em pensamentos, por caminhos obscuros.