A primeira margem

Agora eu entendo o que são margens, um lugar indefinível, que delimita o fim de uma travessia e marca o início de uma outra. Marginalizado para mim sempre fez referência a meninos de rua e tamanha ignorância não permitia a mim mesmo ir além das margens dessa palavra. De menino de rua é que se deve ter medo? A margem é só o fim de uma travessia, não se pode esquecer, há muito mais que põe medo na gente que meninos de rua. Quando criança eu tinha medo de tudo não dar certo pra mim, de viver a margem, viver sozinho, num mundo em que eu não iria caber. Entendi só agora que margem é uma coisa boa: mar, miragem. Eu olho e vejo o que muitos não veem. A primeira margem só se atravessa quando se é obrigado, a gente tem medo de ficar do lado de lá, e se ficar com muito medo, fica, fica pra trás, fica atrasado na escola, na vida e perde todo o resto porque não teve coragem de fazer a primeira travessia. A primeira depois que se fez muitas outras não quer dizer muito, mas a gente sabe que foi ela que nos encorajou a chegar até aqui. Não sei ao certo se margem pode ser igualado a fronteira - essa linha que corta coisas maiores como o dominío, o poder político e econômico. Tem gente grande que não entende o significado de margem e nem de marginalizado, mas parece que olhando aqui, eu já vejo lá na primeira travessia que fiz a existência dessa fronteira, e se a gente tem medo dos meninos marginalizados é que ainda não entendemos ou esquecemos de todas as margens que atravessamos e da dificuldade para fazê-lo, se tem gente que não sentiu tanto medo de não conseguir atravessar, vai ver é porque sabia que tinha alguém para lhe carregar.

Kelly Literatura
Enviado por Kelly Literatura em 03/06/2012
Código do texto: T3703788
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