NA SOMBRA DAS HORAS

Por Carlos Sena


 
Procurei abrigo na sombra das horas. Senti frio, senti calor, mas os ponteiros do tempo me ignoraram em todos esses particulares. Descobri que a sombra das horas não serve pra gente se abrigar quando o corpo  reclama e pede socorro. Descobri que no abrigo das horas a gente se busca quando se perde em desilusão, ou se encontra no alto das mais ternas realizações. Há horas em cada casa astral que a vida nos conduz e nos seduz. Seduzir-se a si mesmo no passar das horas é um motivo a mais para que encontremos a felicidade. A sedução que devemos ter por nós é o passo maior para que seduzamos a vida em todo o seu percurso de tempo.
A vida não constrói sombras sem que por ela passemos e aprendamos as lições. Primeiro a gente conhece o sol – elemento aglutinador da nossa fotossíntese interior e que nos faculta a plantação de sonhos e modos de ser feliz para colheita posterior. Amanhã pode acontecer pela soma dos ontens. Para o “agora” só o presente resta independente dos raios de sol que invadem nossa janela, ou da sombra que acasala amantes no entardecer. O relógio do tempo não pulsa. Pulsam as horas dentro de si mesmas sem que nós tenhamos acesso. Em cada pulsar de horas são cabelos que se embranquecem, rostos que se enruguecem, pessoas que se separam e que se casam, crianças que nascem e adultos que partem.
O relógio do pulso não pulsa esperanças. Pulsa a ilusão que faz do tempo nosso escravo quando nós é que nos escravizamos dele. Um dia de repente são seis horas. Um dia de repente é inverno. Outro dia já é outono. Um dia de repente a gente está andando a passos lentos, esquecendo coisas, repetindo coisas, sendo meio coisas... A quem compete ouvir nossas queixas? A sombra das horas?
Debaixo de um pé de horas quero descansar em suas sombras! Mas sombras não vejo. Horas não vejo. Tempo não vejo. Como não perdi minhas ilusões, das horas suas sombras não preciso. Busco-me no tempo que me resta e, de repente, troco sombras por um colo, por um cafuné da pessoa amada...