[04h03 - Noctivagâncias]

Ainda há pouco, percorri algumas ruas e avenidas do Desterro... Além do blues, só o chiado macio, fofo, dos pneus do meu carro; o asfalto das ruas do Desterro é bem cuidado, disso não posso me queixar.

... Mas, para mim, noctivagar nesta cidade-longe é como andar numa vasta catacumba... À noite, o medo campeia à solta... e o Desterro dorme... dorme profundamente. E tudo que eu queria era violar esse determinismo binário... noite, dia... dia, noite... noite, dia... eu queria fabricar uma noite em que não houvesse sono... nem sonhos, nem cansaços — só orgias, ritos noturnos, bacanais, talvez...

Ah, que falta eu sinto da cidade que nunca dorme, das madrugadas lavadas a jatos de água, e a gente levantando os pés enquanto a água arrasta a sujeira do bar. E isso, com o poeta bêbado declamando o Rubayat... Esquina da Conselheiro Nébias com a Aurora.

Tomara alguma criatura alienígena, outra que não se arrogasse prerrogativas de deus — sem mais motivo para igrejas barulhentas! — pulverizasse a mim e ao Desterro, num só golpe... queda de meteoro grande, talvez... Aí sim, o Desterro dormiria de vez, e para sempre... E já que nem eu, e nem o Desterro fazemos falta ao mundo, Goiânia, Ribeirão Preto, e até Araguari, não sentiriam a menor falta...

_________

[Desterro, 29 de maio de 2012]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 29/05/2012
Reeditado em 02/08/2012
Código do texto: T3693680
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.