[Fragmentos de um Olhar Noturno]

A imagem não me dá sossego, atormenta-me, e para aumentar a angústia, eu não consigo estabelecer vínculos, de hora, lugar... mas pior: de companhia! Eu não estava só; havia um perfume agradável, sensual, no interior do carro... Havia uma voz meio rouca... havia umas mãos que percorriam meu corpo... Havia...

Era noite. Chovia forte, muito forte mesmo. Parece que só na minha segunda cidade-mãe, São Paulo, chove tão forte como aconteceu naquela noite. Estávamos em São Paulo, então?! Não sei... consigo ter certeza! Eu só afirmo que não escrevo ficção, não tenho esse admirável talento; nunca escrevi ficção, e se eu disse o contrário, então, menti. Eu sou eu mesmo, atrás, sob, ou, mais raramente, à frente das minhas palavras... até quando estou a sonhar!

Não, não havia um rio perto, não havia um viaduto, uma ponte, sob a qual eu pudesse parar o carro... e olhar longamente o chicote doido da chuva pesada nas águas do rio, o espoucar de gotas que caíssem da murada da ponte... pois como eu disse, não havia um rio, e não havia uma ponte.

Mas chovia... e chovia... porém, eu me sentia seguro, pois ali, no topo de uma transversal de uma grande avenida [a São João? A Paulista? A Consolação? A Nove de Julho?... Onde?], e sob a chuva tão forte, nada, ninguém conseguiria sequer aproximar-se do carro... E nos tocávamos loucamente, loucamente... Depois, a noite foi longa, longa...

Na manhã seguinte, o meu carro me levava por aquelas ruas todas... e o meu corpo, funcionando qual um relógio mecânico a que alguém [quem, ela?] tinha dado corda, conduziu-me para a extensa estrada que leva para Minas... mas a minha consciência, operando em um nível pouco acima do corpo, sabia muito bem: eu voltava mesmo era para o meu Desterro, onde cumpro pena, tal como o gigante Prometeu, preso na “falésia” do Desterro... [Para mim, Minas não é mais].

[Como sempre, eu não disse nada... pois eu não quero dizer nada, nada mesmo!

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[Desterro, 24 de maio de 2012]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 24/05/2012
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