MADRUGADA NO CAMPO
Ecoa no pátio fronteiro à casa grande, o latido de um guaipeca brasino e feio, que conhecera pela tardinha, quando ele colhia guabirobas.
Perdida em meio ao silêncio absoluto dos pássaros e do vento, a voz do animal rebate como uma pedra jogada à placidez da água do açude: vai fazendo círculos concêntricos até consumir-se. Porém, a linguagem canina também pode ter tradução e se propaga.
Enquanto o sono não vem, o personagem mergulha no silêncio, agora sem a companhia da voz do cusco da cor do braseiro, que é a mesma do coração, que late compassado a voz sibilina das saudades.
E a palavra fica latindo no escuro, até que ele se levante e rompa o absurdo silêncio que o revisita, com a (sua) cara suja de mudez e trejeitos. Num repente aflora nuinho o poema, esperneando, por timidez e temor, talvez por intuir-se no mundo das realidades.
O latido está dentro dele e o cão fugiu em meio aos medos e o escuro. É estranha essa consciência de bicho. Até hoje, a cada noite de breu, nosso personagem fica esperando o retorno do uivo sonolento nas madrugadas campesinas.
Essa mesma indomável solidão ladra por dentro, tal o uivo traduzível do cusco brasino. A única diferença para além de mim, dos olhos e ouvidos dos lindeiros (e dos nem tão próximos) é que a Poesia domou a feiura – embora não a tendo dominado completamente – e continua latindo no meio da noite.
De esguelha, em lusco-fusco, luze timidamente um raio do luar de outono. E a voz do silêncio continua tristonha, a embalar estrelas nuas perdidas na memória.
MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2022.
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