Foi muito amor
Foi muito amor. Foi uma paixão dessa capaz de ofuscar todas as luzes da cidade, de transpor a lente escura dos meus óculos, passar pela retina e cravar fundo no coração. Paixão pela menina que virou mulher beijando uma rosa vermelha, amor de amar, amor de querer – querer de amigo. Há querer maior?
Foram meses, dias, minutos, segundos de embriagadora e doce paixão. De sorver até o fundo o néctar dos deuses, ou melhor, estar ao lado deles. De sentir o que é ser um deles. Foi amor intenso demais. Daquele que mortal algum pode pegar, sem pagar tributo. Daquele que transpassa o conveniente das conveniências, transforma ordens em sentidos e sentidos em despreocupados farelos coloridos de intensa emoção.
Ao seu lado conheci a vida que sempre neguei embora soubesse e sonhasse com o seu sabor. Bebi o vinho feito do melhor mel e dancei deslizando suavemente no palco das estrelas. Provei a ventura da maior aventura que existe apenas nos sonhos mais profundos e naveguei nas águas dos ousados – dos que amam – dos que dizem: sei e soube fazê-lo. Dos amantes que vivem para sempre nos braços do Olimpo.
Mas estar ao lado deles não significa sê-los e conheci o maior dos inimigos dos mortais: o medo. O medo de não ter. Ele, que sempre disse que viria. Por que veio tão cedo? Por que veio tão forte? Pegou-me desprevenido e me fez cativo. Chegou célere como um tufão, exalando o cheiro da desconfiança, da renúncia, da indiferença. Daí ao abandono, um passo. Ao sofrimento, um segundo.
E os amigos? Onde estão? Será que existem mesmo? Calma, logo recuperarei minha espécie. Logo serei novamente feliz. Infeliz! Como ser feliz se já o era? Como se recuperar de doença que não tem cura? Como ver o que não consegue enxergar? Como ter o que sempre falta? Calma, tudo isso logo passa. É estresse! Tome mais esse remedinho. Será que os doutores existem mesmo?
Na brusca busca da compreensão da realidade nua somente sombras. No mundo escuro das ilusões perdidas, apenas a espera da alma - uma longa espera que sempre desemboca num rio de lágrimas e mais lágrimas que servem para encobrir o vazio de um coração sem cor que bate fracamente enquanto vislumbra no fundo da água revolta o sopro frio da morte.
Depois, o que mais virá? Por certo as certezas das incertezas junto ao azul que obedientemente vibra e se encarrega de conduzir o justo ao abrigo do Pai. A Este só restará agradecer pelos caminhos trilhados, pelos momentos intensamente vividos, pelas juras de amor na presença da brisa do mar, cujas lembranças apontam diretamente para um jardim tomado de sonhos verdes e as eternas três letras que ainda hoje sobrevivem no pequeno banco branco desse mesmo jardim.