Cotidiano
Quero os sábados com você, os domingos, as segundas... quero a semana. Os dias, as noites. Quero brincar com teu cabelo, fazer festa com tuas coxas, achar graça na tua rabugice, te mostrar as minhas pintas. Quero ir pro fogão e te surpreender. Quero te amar pelo chão, subir pelas paredes de prazer, ficar no baixo, só no gozo. Quero te mostrar pelos espelhos como é linda a junção de nós dois, quero te contar minhas histórias, vê-lo rindo e não acreditando, quero ouvir as tuas e fazer aquela minha cara de séria. Quero te puxar os pêlos e ver você ficar bravo, te mostrar a minha cicatriz mais feia, te contar todos os meus medos nas noites, me sentir segura no teu peito. Quero ouvir a tua loucura de juventude, teus erros, teus desacertos. Ser cúmplice dos teus pecados, conivente com teus crimes, Quero te contar das noites que eu chorei, das vezes que perdi, quero te mostrar minhas medalhas, contar vantagens das minha notas na escola, entender teus desatinos e aceitá-los. Quero saber das vezes que sofreu. Que ficou sem chão, que se encolheu, que não teve abrigo. Quero te contar dos amores que eu tive, das plantas que deixei morrer, das palavras que escrevi e rasguei. Quero saber das mulheres por quem chorou, as que amou quase a loucura. Quero saber se te doem as costas, se às vezes se sente impotente, se tem medo da velhice. Quero que veja minha cara pela manhã, que me perdoe se antes do beijo eu correr pra fazer xixi, que me desculpe por dormir sempre depois de você, por querer velar seu sono. Que me apresente sua família e me mostre os que não gosta. Quero que aceite meus pais como são, que entenda minha mãe com tantas palavras, suas intuições, cartas do tarô e suas verdades discutíveis. Que goste do meu pai, que acompanhe suas canções na viola, que reconheça nele a bondade e a honradez. Que me mostre a rua onde morou, que me conte porque se sentiu tão triste na vida, que me fale dos anseios, as perdas dos anos, que chore um pouco de saudade nos meus braços. Que cante, desafinado ou não, as canções que mais gosta, que deixe tudo bagunçado pra eu reclamar. Que sorria quando eu me enfurecer, me desarmando. Que não fique muito zangado quando eu estragar o corte da sua gilete pegando pra raspar as pernas, porque eu farei isso todos os dias. Que entenda que a pasta de dentes deve ser apertada sempre embaixo e nunca pelo meio e que vou arrumar encrencas homéricas por isso, mas em seguida vou beijar sua boca. Que me mostre seu desejo e me chame sempre que o sentir. Que apenas se deite em meus braços nos dias de tormenta e que saiba que estarei com você. Que me queria em sexo todos os dias e que também saiba que posso passar sem ele. Que resmungue sempre que se sentir gripado, que aceite os chás que eu te oferecer. Que me deixe um pouco sozinha quando eu precisar conversar com meus espíritos, que entenda minhas danças pra lua. Que não mexa jamais na minha espada, na minha bola de cristal, nem toque nas minhas cartas, mas que saiba que pode ficar comigo sempre que eu estiver tocando nelas. Que sinta um pouco de ciúme, que entenda um pouco o meu. Que respeite a minha fé e a falta dela, que me conte da sua ou a falta dela. Que não deixe toalhas molhadas pela cama, que não reclame por eu quase nunca usar calcinhas, por vasculhar suas cuecas em busca de marcas de batom e outras. Que não me force a pentear os cabelos e que goste do cheiro deles. Que saiba que minha fúria não é maldade, é sinceridade. Que tem gente que eu enterrei viva, que outros, eu cultivo como deuses e que isso não é negociável. Quero que coma minha comida e se acostume com a pimenta. Que me leve pra comer na barraquinha da rua e que não fique me atormentando por eu colocar toda a mostarda, toda a maionese, todo o ketchup e depois derramar tudo na roupa e ficar xingando. Que ria seu riso mais profano quando eu tropeçar, mas que disfarce antes que eu perceba. Que aceite meu empenho em organizar coisas que não servirão para nada. Que me diga qualquer palavra e me peça para fazer um verso, que faça um verso com qualquer palavra que eu disser. Que depois de tudo isso, ainda sinta um certo medo de me perder. E que sinta em seu coração que se um dia eu te entregar o meu amor, ele será verdadeiro.