((( Contratempo )))
Passei minha vida toda esperando. E a espera foi tão cômoda pra mim, que nem me dei conta que ela (a espera) chegou, num momento em que eu não estava, quando não podia me achar. Então concluí que tudo o que passou, tudo o que tive, foi espera, que com o tempo virou saudade. Saudade dos cheiro das tardes amenas, das prateleiras dos supermercados, da grama macerada, da cola na folha de seda, do banho simulado, da sopa do recreio, do brinquedo recém-ganhado, do café, quando ainda não fumava. Da música que até hoje ouço, e que me transporta para episódios que não tocam mais. Dias extintos, sensações suprimidas pelo tempo, voltando embebidas em sabores esquecidos. A espera passa, mas o porre não. É bom saber que, até não sei quando, todo dia terei um dia novo, que se repetirá, num paradoxo que me enche o saco às vezes. Me dê 50 leões por dia pra matar, 20 banheiros públicos pra lavar, ou chocolate e roupa cheirosa todo dia, ou realize até o desejo que não ouso expressar, mas não me submeta à mornidão, à letargia, e mesmo sob recomendações médicas, não me prive do sal. Não olvide o peso irado de minhas palavras, nem tampouco o toque singelo das minhas mãos. Sou o que posso ser, não o que gostaria, e isso consola mais do que dói. Desfaço os nós da garganta, mas os laços jazem atados. Ergo a cabeça, molho com água fresca palavras em combustão. Quem de mim me aguardará, quando eu chegar? Sempre à espera. E disso eu não fujo, pois sei. Sempre há espera.