DEUS E SUA OBRA
No início, era o caos. Luz e sombra, sons difusos, imagens aleatórias...a vida buscando a todo custo um jeito de acontecer. Pouco a pouco, como quando numa festa descobrimos um rosto amigo, surge a impressão de segurança numa esquina. Sensações do já visto, a impressão de saber, de ter decifrado o código, de conhecer o caminho das pedras...Tolice ingênua! Fui pega de surpresa em todos os dias da minha vida, mesmo quando acreditei que tinha todas as chaves, todas as senhas, tudo enfim que necessário fosse para sobreviver...então me abandono à possibilidade de olhar, acarinhar cada fato novo, de acolher a idéia de que é possível um outro caminho. Dizendo assim parece fácil e eu diria que sim, que a vida acontece a despeito dos nossos protestos, das nossas dúvidas, dos nossos receios...então, pra que ou pra quem essa ilusão de que podemos contê-la na concha frágil das nossas mãos? Porque acreditar que sabemos o melhor caminho, que teremos a decisão mais sábia? Então me vem à lembrança o dia em que deixei uma corrida de velocípede, pouco depois dela começar, porque uma outra criança tomou a dianteira e fiquei chorando...lastimando o que não fiz. Sei que é bobagem lembrar coisas assim, mas penso que as memórias se mantêm porque temos algo a aprender com elas e, depois disso, voltam a ocupar seu lugar como bibelôs na prateleira. E a vida continua, os fatos, as imagens, as impressões, ilusões enfim, nos assombrando ou surpreendendo, cada qual com seu tamanho ou sua força que, afinal, somos nós quem lhes damos. E como bolhas de sabão ou balões coloridos, voam leves ou explodem, apenas pra nos fazerem lembrar que a vida, mesmo sob a impressão do caos, tem algo a nos dizer. Lembrando amigos em uma bem humorada observação, a expressão “Deus e sua obra” torna-se um mantra para sempre que a condição humana nos atinge como uma bofetada, ou como um beijo...
23/03/2010.