[Aqueles Trens Carregados de Cocos]
Sim, eu sou um saudosista... mas sou diferente daquele neurótico [exemplo dado por Freud], que chorava ao contemplar o castelo onde uma certa rainha [qual...?] fora decapitada... séculos atrás! Eu sou mineiro, e fui a Ouro Preto, mas não chorei no Museu da Inconfidência... viu?! Eu penso que o passado é só uma referência de vida, e não uma determinância do Agora!
... E sim, eu tenho saudades dos trens carregados de coco-de-babaçu que passavam pela minha cidade... a meninada corria a pegar alguns cocos, para comer as deliciosas castanhas! Eu perguntava:
"ô moço, p'ra que tanto coco, moço?"
E a explicação:
"Ara, menino, é p'ra fazer sabão, doces, balinhas!"
"...uai... mas e eles gastam um trem assim, inteirinho, carregado de cocos?!" ,
"... é... para as coisas terem mesmo cheiro, e sabor de coco, eles gastam sim, tudo isso, gastam um trem carregado de cocos!"
Naquele tempo, talvez ainda não tivessem inventado as "fraudes de coco" que hoje a gente acha em todo o lugar... Nas feiras-livres de São Paulo o sabão-de-coco vendido em barras, tinha mesmo aquele cheirinho da castanha que eu tinha visto nos trens, lá em Minas... e dava até vontade de comer o sabão!
E hoje... ah, tudo fraudes, tudo... mesmo as marcas mais caras de sabão não têm nem traço de coco! É pura enganação! Se a gente quiser mesmo um sabão de coco, tem fabricar em casa, tem receita na internet! Nas marcas comerciais, o que tem é só um aroma artificial enjoativo, desses que a gente sente nas balinhas vindas de fabriquetas de ponta-de-rua, onde nunca, nunca mesmo chegou um coco real - só de mentira! Bala de coco, só mesmo aquela feita em casa!
Ah... e os trens de coco que passavam lá em Minas, aonde foram? Esses trens agora, viajam só na minha lembrança... nos trilhos que a minha imaginação assenta no ar... Se algum for avistado por este Brasil, me avisem, que eu quero saber, que eu ver... eu quero pegar alguns cocos para rachar na pedra, e tirar aquelas castanhas saborosas!
Para mim, que nunca paro de vir de Minas, aqueles trens não cessam de passar pelo campo do meu olhar ansioso, desconfiado de certezas... Nada é certo nesta vida, nada... tudo varia, nós mesmos somos variações contínuas desse [estranho] ser que nos habita!
... e como sempre, eu não disse nada, pois nada vale a pena!
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[Desterro, 27 de abril de 2012]