carta a um amigo - bolsa de Remédios

Hoje fecho os olhos para ver, pesquisar na memória.

As mais longas e loucas histórias pra não aborrecer.

Sei que os anos passam, e com ele vem o tédio.

Não basta tomar remédio, é preciso renascer.

Assim, nesta carta solene, amigo, lhe entrego.

Mais do que pregos, espinhos e sapiência.

E de tudo que mais venero uma confidência.

Não abdique da esperança, continue a ser criança.

Juntei um pouco de tudo neste saco de apetrechos.

Vão parecer adereços, mas não, são remédios.

Pra curar ó tédio que vem com o aborrecer.

Não basta cuidar da cabeça, essa teia.

Pois é o corpo que a sustenta.

Assim não deixe o pé no desconforto,

Vai ai uma bola espeça, da mais fina meia.

Pra antes que convalesça, se ponha a correr.

Os braços e mãos são necessários.

A força e a pretensão não imperam, deve-se aliar precisão.

Pra afagar, para tapear ou no cabelo um retoque.

Vai ai, de couro, manguinha de soro, forquilha de pitanga, um bodoque.

Pra memória Leve o baralho

Excelente para depois do trabalho

Exercita sem cansar, aprenderás não trocar os nomes.

Dos nómades que em sua porta vão dar.

A coordenação, esta é uma atroz traiçoeira.

Alzheimer, Parkinson...tremedeiras.

Nada de descuidar, vai junto um bilboquê.

Ajudará a medir a distância entre o eu e você.

Isso ajuda a emagrecer e é tão simples

Um pedaço de corda e você tem brincadeira

Desde que acorda até o entardecer.

Foguinho, de dupla, contando ou cantando.

Fará o chão estremecer e a lua se aborrecer.

Essa vida sem jogo de cintura é impossível

Precisa também deste remédio.

Vai ai o bambolê.

Uma arma para o tédio.

Ainda tem giz de gesso pra riscar sapata.

É um remédio que desata, mesmo a mais rude bravata.

Tem dois potes de iogurtes e barbante,

Para montar um telefone falante.

Agua com sabão e verá que nem tudo a terra prende.

Um peão dançarino e uma peteca.

De pena de galinha e sabugo de milho, desculpe a meleca.

E pra aprimorar a pontaria.

Um trabuco de taquara. Quando dispara

Parecem estouros de fogos de artifícios,

Porém sem medos, acidentes ou sacrifícios.

Aro e um gancho com cabo.

No punho um sabugo de milho.

Para ter direção e construir atalhos.

E um carro de uma roda só,

Impulsionado pelo guidão.

E uma verdadeira paixão.

Papel de seda, taquara, barbante,

Cola e o restante é preciso engenhar.

Depois, juntinho, se deixe voar.

Arapuca, não é difícil fazer.

Alguém vai lhe ofender, dizer que isso não se faz.

Mas quem ira se afeiçoar se não conhecer?

Poder tecer juntinho com o passarinho

Aquele assovio do amanhecer.

Assim você treina habilidade dos dedos e dos lábios,

Poe todo teu corpo coronário pra envolver.

E o mais santo de todos vou lhe dizer.

E um beijo que guardei para você.

Envio-lhe junto nesta carta.

Se não bastar, venha me ver.

Para Graciana, minha sobrinha.