na trilha dos gatos

primeiro eu persigo minha gata, a Nina, por um circuito interminável de vielas escuras e ela está sempre uma passada adiante de mim na corrida; no momento em que a alcanço e me abaixo para agarrá-la com as duas mãos em forma de laço ela se esquiva mergulhando num alçapão que surge sob suas patas em minhas pernas e me arrasta com ela para dentro de um túnel em que nós dois caímos, descendo, descendo, descendo, suavemente deslizando como numa viagem de ópio, as paredes desta fenda abismal espocando raios e luzes em cores violetas, prateadas, crispações vermelhas e azuis trazendo paz e imensidão. eu continuo assim por longos minutos escorrendo por essas galerias que parecem me levar a algum mundo sobrenatural sem fronteiras e sem dor e neste instante percebo que eu e minha gata agora somos um que desce. tudo é paz e conforto neste aquém-mundo subterrâneo dos gatos! luzes brancas se insinuam à minha frente e eu amo tudo que me envolve.

depois nós dois dormimos juntos em algum beco numa noite da metrópole paulistana. há frio e o açoite do mundo e acabamos esmagados por um veículo que pula e extrapola os limites do calçamento. acordamos no além-mundo e eu posso vislumbrar a força natural da alma coletiva do gato. após um tempo sem tempo de contá-lo termino meus estudos do desenlace felino celeste e sou convidado a me retirar deste recinto. caminho então por alamedas de cristal e me dirijo aos meus aposentos preparados numa estação de plumas multicolores de algodão e seda em que tudo é delícia de sonhos ensolarados de amor. foi assim que nos despedimos, sabendo que ambos estavam bem e haviam encontrado a vida que nunca acaba e cintila e eu adormeci sendo informado através de sussurros proferidos por um anjo que no dia seguinte começariam as minhas instruções. lembrei-me então do irmão André Luiz e me indaguei se estaria na colônia "Nosso Lar Do Gato."