A viagem. do livro presunção
*23 Outra viagem.
Hoje à noite, durante um breve sonho, pude constatar que ainda tenho uma alma, que não estou totalmente perdido, ainda posso ir e vir. A tal liberdade poética que me permite viver em qualquer tempo ou espaço, essa imunidade existencial não destruiu meu coração de homem.
Descobri que nada é eterno, só a morte do coração literal. Vivi milhões de vidas, naveguei por todos os mares, conheci seres estranhos, experimentei todos os vinhos, andei do lado da vida, mergulhei na sombra da morte. No entanto, nada me assustava, ignorei todas as leis do universo físico, contrariei todos os credos, não temi dor, nem alegria, passei por alto, desconsiderei todos os homens. Rompi a barreira do som. Escuto vozes inefáveis que me contam segredos eternos, revelações divinas do céu da poesia. Sou arauto dos ventos do fim do mundo, trago alvíssaras de vidas futuras, de quando o homem assumirá seu posto definitivo, de ser superior, quando reinará o “übermeche.”, o dono de todos os mistérios de todas as riquezas.
Habito em tendas, sou nômade, agricultor de flores raras “Orchis”, que se reproduzem no deserto árido, à temperatura incomum, insuportável para os homens e animais inferiores. Flores que conservam a vida, a essência da poesia que precisa se levada para outra dimensão, para outro estado de consciência. Sou só mais um guardião do germe mãe que não verá a nova ordem estabelecida, serei substituído por outro que eu mesmo produzir, da maneira que fui também gerado por meu genitor audaz, que me transferiu sua substância por meio do som da paz, pelas vibrações sublimes da harpa literária. Creio que este será capaz de me conduzir para o centro do universo, pelas mãos da alma poética que remará sem descanso o navio assombrado dos meus versos...