CANTO DO VENTO NO BRASIL DO SUL

(aos irmãos do Brasil tropical)

Com um olho do sol de inverno piscando tímido e um chamamé a chamuscar de soledade os ouvidos (Antonio Tarragó Ros está impertinente cantando “Carito”), penso em voz alta, pleno de mesma soledade e fraternais amores.

O frio destas plagas do sul faz a gente dar um mergulho na terra como se fôssemos raiz de grande árvore. Assim nos aquecemos dentro do grande ventre do mundo: a Pacha Mama, como dizia Dom Atahualpa Yupanqui, o berço original, o ninho de tudo, a Mãe Terra.

Talvez por isso, sejamos tão terrunhos (1), raízes encravadas, cordão umbilical sempre preso a este ventre matuto, prenhe de vergonhas, de pudores pelo mundo que nos rodeia.

Não vejo este compatriotismo nos povos que habitam o calor, o verão permanente. São criaturas bonitas desde a pele, cheias de alegria e de tesão, mas não têm profundidade telúrica. Parecem-me vegetais de raízes superficiais.

Os do frio são imensas e copadas figueiras. Em cada galho escuro parece haver o olho do tempo a observar os viventes. E há um medo permanente destes olhos que perscrutam o pensamento da gente.

Enfim, os povos do calor são – curiosamente – filhos do vento. Andejam por sobre os caminhos mas não lhe fincam raízes. São arbustos, têm a cor ruça da caatinga e a superficialidade de suas raízes. Andejam, nômades, porque o seu destino é andar.

E a alegria rastreada neste andejar produz um ritmo, uma alegre música, faceira, lépida, mimosa de gingas.

Veja-se o chachado, o forró, o samba baiano, o breque do Bola Preta, que desceu o morro e encantou os endinheirados salões do velho e sempre maravilhoso Rio de Todos os Janeiros.

O calor e suas decorrências tomam conta do Brasil tropical.

Nós, os terrunhos, vamos ficando por aqui, com os chiados dialetais, a voz gutural da terra, o ronronar dos arroios, o coaxar das rãs e o canto escondido dos grilos nas macegas.

Não há nada mais matuto do que a música nativa do Sul. É ela o cicio do vento sobre o capim. Assim como é silvestre o canto xucro babado de orvalhos e terra.

E como tenho medos ancestrais que a distância plasmou, sinto vergonha de chorar a voz viva da saudade e encharco o papel com o gosto ensimesmado da lágrima.

Escrevo pra dizer que amo vocês e o Brasil de Deus na voz do vento pampiano, saudando as amadas raízes encravadas nas lonjuras do Pago.

Vêem o que o frio e a voz dos ventos fazem?

(1) Relativo à terra, telúrico; que sofre a influência do solo de uma região nos costumes, caráter e hábitos dos habitantes.

– Do livro CONFESSIONÁRIO - Diálogos entre Prosa e Poesia /EU MENINO GRANDE. Porto Alegre: Alcance, 2008, p. 296:7.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/35912