Luz apagada
Passei a vida inteira ensaiando como viver, nos bastidores dentro de mim.
As poucas vezes que entrei em cena fui coadjuvante.
Figurante do meu próprio espetáculo.
Sobre mim, holofotes apagados... Mas não por falta de vontade
Eles queriam se acender e eu não permiti.
Antes de entrar em cena (como coadjuvante)
Treinava minhas falas, caras e bocas.
Era só esperar a deixa e entrar em ação – ação comedida, dentro do planejado.
Mas se a deixa não viesse... ah!
Se a deixa não viesse, eu dobrava minha fala, guardava no bolso de trás e saía calada.
“Posso precisar dela amanhã...” pensava eu.
Não conseguir dizer ou fazer qualquer coisa que planejei era frustrante,
Porém, dizer ou fazer, ah... Era ainda pior.
Qualquer gesto ou frase fora do roteiro, qualquer ato de improviso... Pronto!
Como um tsunami, resultado de um abalo sísmico,
O suor em minhas mãos transbordava assim que meu coração disparasse.
E eu voltava aos bastidores para chorar...
Chorar, apenas sob a luz da lua, era incrível...
Sem plateia, sem companheiros de cena, sem falas para decorar.
Era só eu, o brilho do luar e meus sonhos.
Sonhos de que o dia seguinte seria diferente, que improvisar não seria tão doloroso, que eu então, teria competência para escrever minha história com um final feliz...
Mas chegava a hora de entrar em cena novamente.
Eu olhava o palco iluminado, repleto de gente sorrindo, cantando, representando eles mesmos.
Havia alguns poucos mascarados, mas estes não faziam muito sucesso e eram prontamente descartados do espetáculo.
Ao ver o palco com aquelas pessoas tão desenvoltas, aparentando não ter medo de errar, eu desistia da ideia de improvisar
Tirava do bolso a fala que ainda não usei,
Olhava-me no espelho mais uma vez para verificar se a maquiagem não estava borrada e seguia em frente.
Subia no palco da vida mais uma vez
Não para viver... Pois viver é ousar, surpreender, arriscar!
Eu não teria capacidade para isso...
Só subiria lá, marcaria presença – para os poucos que a percebem – e diria meia dúzia de palavras.
Dia após dia, sem me aventurar, sem correr riscos, sem sair do eixo.
Vou “vivendo” assim, entre muitas aspas, até que esteja na hora de agradecer e me desculpar para a plateia e de fechar as cortinas...
Fechá-las para nunca mais abrir.