FASCINAÇÃO
Fascina-me a morte, a ideia da morte, único norte, única certeza em meio a tantas incertezas, algo que nos nivela a todos, ricos e pobres, cultos e brutos, racionais e irracionais, crentes ou não.
A morte então é assim, bem democrática...
Injusta, cruel, sem sentido?
Mas democrática.
Misteriosa, bastante misteriosa, não sabemos o seu propósito, seus motivos, seu real significado, se algo puramente físico, material, se algo transcendental, se uma passagem, um portal, um ritual, ou se apenas o ponto final, de uma viagem, de uma jornada, uma caminhada.
Mas há algo, nestes últimos dias, que vem a me fascinar ainda mais, muito mais, que seria a morte em vida, viver-se sem perspectiva, sem realizações, sem emoção, sem amar, sem nada sentir, nenhum sentimento, total indiferença a tudo, total indiferença a todos, não há mais sentido em nada, não há mais beleza, tristeza, alegria, amor, dor, ilusão, compaixão, desprezo, nem bem nem mal, nada, um pleno vazio de tudo, de ser, de ter, simplesmente existe o corpo, ele está vivo, mas não existe a alma, e espírito e tudo que a eles se liga e os justifica, tudo que os anima e desanima.
Simplesmente vegeta-se e simplesmente fica-se à espera da morte real, da verdadeira morte, quando tudo se igualará a nada, corpo, carne, mente, espírito, alma, ou não, a depender de minhas convicções, de minhas crenças ou descrenças.
Talvez por isso tenha Bukowski registrado em certo momento que o maior problema não é a morte, a morte em si, e sim a espera.
E na espera da morte muitas das vezes já estamos nela, pateticamente mortos, mortos em vida, sem nada representar para ninguém, para alguém, nem para nós mesmos.
Seria então, isto, o ápice da ausência.
Sempre ela, a ausência, a perseguir-me freneticamente, impacientemente, sem descanso, sem remanso.
Que venha então a morte, a morte real, último norte, e quem sabe último reduto, tal qual um forte.