Não entendo você


Pensei que entendia você, mas acredito que estive equivocado, todo este tempo, pensei ter alguma importância para você, mínima, ínfima que fosse.
Mais um outro engano, agora coleciono-os, os meus erros, um a um, catalogando-os, em sistemas, tais quais os utilizados em bibliotecas e outras mais.
Certamente se há engano, trata-se de meu engano, minha ilusão, minha expectativa criada acima do real, influenciado pela emoção, pela situação, pela fragilidade de ser, de procurar estar presente, uma vez que já fui cadastrado como "ausente", vários e vários substantivos adjetivados com o tal "ausente".
E depois que se recebe uma classificação deste gênero, dificilmente há como se livrar dela, por mais que se tente o oposto de fato implementar, neste caso o "presente".
Por mais que se procure estar "presente" , o "ausente" está enraizado em sua mente, em seu âmago, e por maior que seja o esforço semprei serei e estarei "ausente".
Sempre, para sempre, "ausente"...
Pai "ausente" , esposo "ausente" , amigo "ausente" , amante "ausente" , missivista "ausente" , interlocutor "ausente" enfim, um ser "ausente".
Mas se sou assim tão "ausente" , eu não deveria sofrer e importar-me , nesta altura, por ser "ausente" e ser tratado como tal, tal homem invísivel, pois não sou visto, tal fantasma escritor, pois não sou lido, e se sou lido não venho a ter conhecimento de que fui lido, compreendido, correspondido. Tal como mudo o que tento dizer, expressar, não é "ouvido" e não é compreendido ou mesmo não chega a receber nenhum crédito, nenhum valor.
Chego então a conclusão de que nada sou, e se nada sou, se não tenho nenhum valor para ninguém, eis o motivo de ser "ausente", pois como poderia ser eu "presente" se não há ninguém que me veja, ninguém que me sinta, me perceba, me escute, me responda , me replique, me triplique, me valorize, que por mim venha a ter qualquer emoção que seja, amor ou ódio, até desprezo, então...
Fato mais estranho é esta minha insistência em sofrer com tal situação, procuro motivo para isto e não identifico nenhum.
Talvez seja por puro masoquismo, quem sabe, ou talvez para que eu fique cada vez mais alheio em tais circunstâncias, ausentando-me mais e mais e mais a cada oportunidade.
Ou quem sabe para mais e mais forte tornar-me, imune a tudo e a todos, todos que me classificam "ausente" , para que do mesmo modo eu assim os considere também, devidamente e plenamente "ausentes" e que suas ausências nada tragam a mim , nenhuma importância, nenhum significado, nenhum valor, tão somente pura indiferença, desprezo até.
E assim aquilo que a princípio poderia nos causar algum dano passa a nos transformar em mais resistentes , a sermos mais fortes, mais duros, mais e mais insensíveis , com todos, com tudo e até mesmo com nós mesmos.
E assim vou seguindo, e assim vou vivendo, indiferente, na indiferença, a cada dia, dia após dias, mais e mais "ausente".
E a cada dia menos e menos vou entendendo você, compreendendo você, analisando você, aceitando você, pois assim também sou, pois assim também ajo, me faço e me torno, mais e mais, a todo e a cada instante, mais e mais não sou compreendido, mais e mais não sou entendido, mais e mais não sou analisado, mais e mais não sou aceito...
E, assim, segue a vida. É a vida. C'est la vie...






 

Vauxhall
Enviado por Vauxhall em 23/03/2012
Reeditado em 23/03/2012
Código do texto: T3572192
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