aviso de inutilidade pública
respeitosamente comunico ao leitor com nem tão profundo pesar
que perdi minha identidade -
desapareceu do meu eu sem deixar vestígio algum -
ao acordar numa opaca manhã outonal constatei o abandono:
a princípio dominado de transtorno repentino -
senti falta de algo -
sensação estranha se alojou na mente -
conturbação esquisita abateu meu corpo
estremeceu os ossos dos pés ao crânio -
o sangue arterial acelerou em desabalada carreira -
a pele crispou gélida nervosa estarrecida -
faltava algo sem eu saber que algo era -
aliás não raro se conhece com nitidez essa danada
porquanto quando muito é nos apresentada entre um vidro fosco
cujo lado oposto se enxerga pouco ou quase nada -
súbito - o teto veio abaixo de encontro ao chão -
escorreguei por um dos lados e corri apavorado
em busca de proteção -
diante do espelho eu via sucessão de imagens confusas refletia -
entretanto nenhuma tampouco já me servia -
as personagens que até então representei
desfeitas no acontecido deram as costas e fugiram em rebeldia -
resolvi procurar-me na música outrora amiga sincera companheira
não logrei amparo
pois a viola escarnecida negou aos arames ressonância sonora
fui pro quintal tentei desassossegar a velha coruja tranquila em descanso na balaustrada da varanda como de costume eu agia - desta feita deu de ombros -
desesperado retornei ao quarto - então compreendi a triste feliz realidade: minha identidade tinha-se escafedido!!
não havia nada a fazer senão o reinício -
consolou-me a hipótese de repensar conceitos severamente amalgamados no que se foi -
segui adiante por uma porta desconhecida -
desde então me refaço no refazer do dia a dia