Um rebelde ao som de um piano.
Vem assim como vai e vem, dedilhando freneticamente e conduzindo a música, vai e vem, vem e vai. A cada dedo um vibrar diferente, uma dança, uma gente. O mundo vem e gira, roda nos dedos do tempo, e a cada passada uma nota me torna refém da música, do rebelde solitário desenhando sua vida ao som de um piano.
E vejam meus dedos dedilhando, buscando um saber de notas. No recreio era bom esconder atrás da árvore, e eu sempre era marcado pelos pássaros, dai em diante nunca mais parei de voar. Me permito dançar em redemoinhos, e se der alguma brecha eu corro logo pra existência tentando se tornar realidade na trajetória musical do tempo.
E como é bom esperar, pensar nas ilusões infiéis que me carregam de ilusão para ilusão, ou talvez seja tudo a verdadeira face do mundo. Eu não procuro dançar só, eu não me percebo só. Se acontece ai desanda, a dança manobra pra outro rumo, e a sola descalça batendo, vai e vem, vem e vai... e vamos todos pra lá, as correntes pra cá, de vez em quando se baila com um sentimento rabiscado, outrora suspeitamos de um grande momento para bailarmos juntos...
Quando é valsa triste, é dança de tambor chorar, meus dedos bailam devagar, de vez em vez corre e foge, se esconde, mas não para de cantar. Meus pés giram e batem, um de cada vez como se fossem sozinhos, e sem ajuda precisam aprender a bailar. E se machucar eu enxáguo a sujeira com gotas salgadas do meu girar de encantos mal interpretados.
Mas valsa triste também se desintegra,se desfaz em lágrimas, em chuva de manhã sem ter sol pra secar. Vai embora no rio, com os pés sempre sambando a boa noite de sono, agradecendo por ainda poder bailar. Vira sorriso amarelo esperando o brilho do sol chegar, dançando em conjunto evitando o desgaste de ter que entrar no ritmo sozinho.
Sábio tempo, vem me girar nas suas notas, me tocar no seu piano, me usar como abusa do vento pra propagar seus sons, suas vindas, idas, saudades, lembranças e amores. Vamos logo aprender a rodar com a ponta do pé na sua linha extensa, recheada de notas soando bem, outras chorando, algumas bailando, talvez uma porção esteja buscando dentro de si o melhor vibrar, mas existem as que vibram em sete sons diferentes, não cansam de se propagar, cantam, choram e brincam de dançar nas teclas do piano.
Eu apenas bailo, danço pra lá e pra cá, num vai e vem num vem e vai, no rimo incansável do bater de teclas do tempo, na valsa, na vida. Eu venho e vou, outros vem e vão. Entoados pelo meu musical, uns se aconchegam outros se distraem.
Num rumo sem sentido, a direção é posta pelo ritmo dos ventos, de um contra-tempo cruel, ou de chuvas avassaladoras que enfeitam meus pés, para que assim possam bailar belos apesar dos calos, apesar das lágrimas. Pés descalços, que nunca se cansam de rodopiar, sempre querem a valsa, o som, dedilhar pra cima e pra baixo, deixando rastros na música de um rebelde desenhando a vida ao som de um piano.