Esse aut non esse*
Sou um nome rabiscado num caderno;
Sou uma fatia de pizza na mesa;
Sou um jato de água fria no corpo;
Sou uma gota de suor escorrendo na testa;
Sou um retrato apagado na estante;
Sou a tinta da caneta jorrando no papel;
Sou uma pequena faísca de energia correndo pelo fio;
Sou um ponteiro do relógico contando os segundos rapidamente;
Sou a poeira nos chinelos;
Sou uma fechadura vedando a porta;
Sou uma gota de veneno detonando com a peste;
Sou um encalço equilibrando o móvel velho;
Sou um imã na geladeira;
Sou um discreto estalo de um beijo;
Sou um bater de latas no fundo do poço;
Sou uma lápide de um túmulo;
Sou um acorde de guitarra da canção;
Sou uma mordida na fruta fresca;
Sou um pedaço de carvão da fogueira;
Sou um grito de saudade;
Sou uma lágrima de alegria;
Sou o pulsar de um coração;
Sou uma folha seca no jardim;
Sou uma peça do motor do automóvel;
Sou uma jangada atracada na beira do rio;
Sou uma pipa voando nos céus;
Sou uma nota do boletim;
Sou uma imagem refletida no espelho;
Sou uma fresta de luz no telhado;
Sou uma pena de uma ave;
Sou uma dose de conhaque;
Sou uma mecha de cabelo;
Sou um buraco no cobertor;
Sou um prego na madeira;
Sou um cartaz de propaganda;
Sou um nó na garganta de tristeza;
Sou um corte na pele sangrando;
Sou um telefonema inesperado no meio da noite;
Sou muita coisa;
Sou quase nada;
Sou tudo aquilo que existe na minha vida;
Sou aquilo que queria ser;
Sou também aquilo que queria ser;
Sou.
E apenas sou.
*ESSE AUT NON ESSE: do Latim, SER OU NÃO SER.