LINGERIE INFESTADA

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       Esta noite, mais uma vez não consegui dormir. Bem feito! Quem mandou absorver essa mania louca de levar para a cama a "tarefa do Recanto"?!... E inventar de passar horas acordadas, resistindo ao sono, catando as palavras, inventando frases, pensamentos, fazendo um esforço danado para construir alguns versos, sem ao menos saber se verdadeiramente são versos, ou se apenas são o inverso daquilo que tento dizer. Quer saber mesmo, poeta?... Foi uma noite de sono impossível. Sofri mais uma vez com a invasão absurda das palavras. Palavras certas, ternas, dóceis, mágicas, belas, mas também palavras inconsequentes, grosseiras, sem nexo, indecentes... E mil outras mais... E foi esse turbilhão de vocábulos misturados igual salada, que fizeram minha lingerie insatisfeita, malcriada, me abandonar por sentir-se infestada. De nada adiantou usar as palavras que acalmam para convencê-la do contrário. Resmungona, chorona, resolveu sair de mim e passou a noite acordada na poltrona. Nem se preocupou com as olheiras horríveis pela manhã. Meu travesseiro quase infartou com o peso de minha cabeça, obesa, com tantas palavras, parecia mais um Aurélio daqueles bem "grosso" com centenas de páginas. Meu acompanhante nada percebeu, porque as palavras só falam comigo, só eu posso ouvi-las. E foram essas palavras, quase sempre amigas, suculentas, mas determinadas, barulhentas, que não "abriram mão", e estavam mesmo dispostas a fazer da minha noite desnuda um inferno.

Isis Dumont
Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 14/03/2012
Reeditado em 12/02/2018
Código do texto: T3553709
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