O Segredo da Monalisa
A vantagem de ser poeta é que todo poeta tem um guarda-roupa daqueles bem grandes, só pra guardar uniformes. E esse guarda-roupa tem duas gavetas, enormes e sempre meio reviradas: uma de crachás, outra de diplomas. Porque poeta é tudo assim, metido a viver metendo o nariz aonde não é chamado, cada dia achando que se mete no uniforme de um profissional diferente, que tem metido no peito um crachá de quem se meteu a tirar muitos diplomas. O fato é que todo poeta é metido a entendido de tudo.
Mas hoje deu a louca no Meu Poeta, e ele resolveu misturar o uniforme do Crítico de Arte, que é meio metido a detetive, com o crachá e a lupa do próprio Detetive, que é bem metido a crítico de arte.
Meu poeta meteu na cabeça que quer resolver aquele velho mistério que ele vive ouvindo por aí, aquele lá, que sombreia o sorriso da bela dama que um tal de Leonardo pintou, a tal de Monalisa. Ele está determinado a descobrir o que tanto o hipnotiza naquela bela Monalisa. E diz que vai a fundo - se necessário, tão fundo quanto a cova do Leonardo! - e que não vai descansar antes de achar uma solução.
Certo. Lá vai ele. Pega um retrato. Senta calado. E lá ele fica. Passam-se dez, quinze, vinte minutos... meia hora, e nada. O Detetive muda ligeiramente de posição, de forma a poder ver de um ângulo melhor. Analisa metódica e meticulosamente os lábios dela. Sente-se até o cheiro da queima de neurônios... Finalmente exclama, muito aborrecido:
- Como posso analisar o sorriso dela, sendo ela tão tímida? Oh, Monalisa, não seja tão retraída, ande, sorria. - Mas os lábios finos e bem delineados, sob o atento olhar detetivesco não se movem. Continuam serenamente sérios e tranquilos.
O Detetive suspira longa e desanimadamente, baixando os olhos para a paisagem pintada ao fundo, um segundo antes de notar que ela sorriu. Ele volta rapidamente o olhar para a boca adorável, mas ela já voltou à seriedade serena.
- Ora, ora, Detetive! - Exclama o Crítico, indignado - Parece que ela está é debochando de nós, com esse sorrisinho aí!
- Sim, meu caro Crítico. - Devolve o Detetive, com os olhos cintilantes como os de um gato - Ma deixe estar e apanho seu segredo! Ah, isso o senhor pode apostar!
Eles voltam a grudar os olhos na boca séria, sem nem a mínima interferência para piscadelas.
- Acho, Senhor Crítico, que devemos coletar pistas antes de examinar o problema principal. Quem sabe se analisássemos outra parte do quadro as coisas não ficariam mais claras?
- Certamente, Senhor Detetive, é o que devemos fazer. Por que não analisar as curvas do rio, lá no fundo?
- Para sermos debochados novamente? Oh, não, definitivamente, não!
- Que tal as mãos? Veja são bem delicadas.
Baixam os olhos às mãos dela, enquanto ela volta a exibir o tímido sorrisinho.
- Não adianta, meu velho - desabafa o detetive, cansado - Ela continua a caçoar de nós. Só sorri enquanto não estamos observando sua boca, a danada!
- Talvez devêssemos ensinar a essa senhora em pouco de boas maneiras! - Diz, o Crítico, irritado.
- Sim, um belo sermão, é o que ela merece!
Ambos agora estão encarando-a nos olhos, de cenhos franzidos, braços cruzados, prontos para lhe aplicar uma bronca. Entretanto, as palavras duras não saem, não existem mais, e a expressão nos rostos deles agora é de espanto. A Monalisa está sorrindo! O detetive procura, discretamente baixar os olhos de volta aos lábios da moça. Um erro. Ela nota o movimento sutil e volta a ficar séria. Curioso, ele volta a fitá-la nos olhos. E - que surpresa! - em agradecimento ela lhe oferece aquele sorriso, tímido, misterioso, meio hipnótico, simplesmente encantador.
Detetive e Crítico sorriem de orelha a orelha, um sorriso tão largo quanto satisfeito.
- Está aí, meu amigo Crítico. O mistério que a envolve não está no sorriso, mas nos olhos que o escondem...
- É o que parece, Detetive. É o que se vê. - Faz uma pequena pausa, suspirando com suavidade - Portanto meu caro, acho que podemos dar o caso por solucionado.
-Podemos, sim, podemos.