[A Mão, a Caneta Mitsubishi, e uma Folha de Abacateiro]

[... e o buquinista do futuro]

Numa certa cidade perto daqui, de Desterro, eu estava sentado à sombra de um viçoso abacateiro, e minha mão foi atraída pelas folhas tenras, verdes... apanhei algumas, acariciei-as na minha face... e então, misteriosamente, lembrei-me de um sujeito que, para suprema irritação de minha mãe, escrevia nas bananas da fruteira da minha casa, lá em Itumbiara-Goiás.

Bem... certo de que eu não iria incomodar a ninguém, por puro tédio, resolvi tentar escrever numa folha com a minha caneta "nanquim" Mitsubishi. Para minha alegria, a caneta correu macio, macio por sobre as nervuras da folha... Estabeleceu-se uma relação [fenomenológica?], entre a mão que escreve, a caneta, e a folha do abacateiro! Ah... o que mais fiz?! É claro: já que não presto para mais nada, escrevi um poema -- mais um -- sobre o tempo! A modo de um marcador de páginas, guardei a folha gravada com o poema dentro de um livro que eu estava a ler...

E agora, angustio-me por não mais saber o que dizia o poema [seria mesmo sobre o tempo?], e que livro, dentre as centenas que eu tenho, guarda agora, neste instante, a folha e o poema...que livro era... que livro... às vezes, tarde da noite, eu me levanto e ponho-me a olhar ansiosamente a parede de livros... e nada de dar com aquele que guarda a folha de abacateiro, com um poema [sobre o tempo?] escrito com uma caneta Mitsubishi...

Escrevi esta lenga lenga na esperança de que eu consiga sonhar com o livro, ou o poema... Será que vai dar certo? Vai nada, tenho fé que não... se não for um súbito acaso, quando eu morrer, e os meus livros forem descartados num sebo, talvez alguém descubra a folha escrita... "o Carlos Rodolfo Stopa não tinha mesmo o que fazer... onde já se viu, escrever numa folha de árvore?!" A folha estará seca, nem será possível dizer de que árvore veio... Mas certamente, o poema, a data, a secura da folha, e a viva tinta da Mitsubishi farão brotar na mente do buquinista a dolorosa redescoberta da noção de tempo. Mas então... o que me importa essa dor, se eu já não sou mais?

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[Desterro, 11 de março de 2012]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 11/03/2012
Reeditado em 02/08/2012
Código do texto: T3549004
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