Além das Tempestades
Noturno como os gatos,
Perfeito como o pecado,
Devasso como a luxúria...
... e, por tê-lo, rasgo a fantasia, mostro os bichos, os raios, as tempestades. Por tê-lo, sangro a pele e bebo o sangue no rasgo, na fissura, na loucura.
Por tê-lo, canto a canção dos profanos, deito nos alquímicos planos embevecida de poesia.
Por tê-lo, me dispo da pele e mostro as ondas do ventre, os derrames e as fartas águas do escorrer.
Por tê-lo, meu livro comporta todas as palavras, todas as letras, todos os verbos conjugados e, nus de artimanhas, se apresentam plenos.
Por tê-lo eu alço vôo e re-vôo e ainda plano. Sorvo o ar como o último alimento, como o ópio. Como o branco aspirado e, ainda lúcida, oferto a última pena de minhas asas.
Por tê-lo me deito nas nuvens, trago o riso e canto as loas do prazer e meu desejo o encontra nas noites, embaixo do cobertor.
Por tê-lo me visto com as cores da lua e mostro a magia na ponta dos meus dedos. Nomeio as estrelas e ensino seus caminhos, planos e rotas antes de apagarem-se a cada manhã. Eu o levo aos caminhos da mata e o apresento aos bichos a lhe protegerem. Por tê-lo, sorvo a saliva de sua boca como o néctar da vida, e a cuspo na terra fértil, a que germine a semente.
É tua a minha mão.