NOTÍCIAS DE UM SOBREVIVENTE

-Extra ,extra...o poeta está vivo!

Outro dia, eu o vi na praça,lançando milho aos pombos.

Agonizante, sobreviveu ao holocausto,e ofegante persiste

nos escombros da humanidade.

No rescaldo da decadência mundana, coabita sob viadutos,

chora nas calçadas rachadas,recosta os sonhos cansados

nas paredes anonimamente grafitadas e dinamitadas das gélidas avenidas.

Outro dia, ainda cedo, eu o vi bocejando na sarjeta, ao despertar sobre o abdômem de um cão vira-lata.

Um cão inacreditavelmente feliz!

-Extra ,extra... o poeta não morreu!

Continua...teimosamente vivo!

E como sobrevive o poeta?

Solitário... balbucia um monólogo.

Torporoso...cantarola uma desafinada canção de ninar.

Faminto e sedento... mantém-se vivo num gole seco de cachaça.

Trôpego... puxa a carroça viela acima, catando notícias velhas,

catastróficas, podres e inúteis...mas úteis por ora,

para seu agasalho na madrugada fria.

-Extra, extra...sobrevive o poeta!

Que ignora ser quem é.

Sequer imagina a poesia, parceira da sua agonia.

Apenas revive o seu sobrevivente poema...

embora versejado nesta tela imunda,

porque ele- o poeta -não morre.

Não morre nunca.

SP,10-03 2004

Texto integrante da coletãnea/A PIZZA LITERÁRIA/SOBRAMES/2004