ANDO SEGUINDO AS PEGADAS DO VENTO
ando pela praia seguindo as pegadas do vento. o sol se põe as minhas costas e me assento numa pedra dourada. assim me corôo rei da natureza. fumo, e a fumaça do cigarro são as nuvens que navegam pelo céu branco e rosa (ao meu lado sentinelas balançam de lá para cá – são os coqueiros). o vento zune em meus ouvidos, mesclando-se ao som das ondas que dirige como um maestro invisível.
estar vivo e ver o mar é o que me basta.
sentir o odor das algas na maré baixa – multicoloridas – compensa a vida e dissolve todas as dúvidas.
é uma dádiva a vida assim onde me afasto de mim como quem sonha que voa.
o céu sem gaivotas é branco como disse amiúde se expande até a gávea; na linha horizontal um navio metafísico ancora e os marujos se entregam sôfregos ao comércio. imagino a praia sem prédios ou casas, a baia litorânea só matas e vãos entre pedras e areia virgem.
levanto-me e sigo as pegadas do vento e navego. anoitece docemente e o mar de prata canta contando histórias sem começo nem fim.
o mar cria ilusões que a praia desfaz – eu estou longe de mim e não sei se o pensar em nada em que me perco é um templo – esse ser onde todo um panteão se revela súbito.
as caravelas se escondem entre as ondas e meus tênis cheios de areia fazem chiar os meus passos. é preciso varrer os homens para longe, a fim de que as luzes se apaguem e o enevoado céu seja constelado apenas de estrelas.
nosso mundo íntimo é pobre. por isso dançamos agora como símios, pois tudo já foi dito.