Não se ama pela metade.
Sim querido, não se ama pela metade, como não há meias verdades, veja o que trouxe para ti, para você leitor, da ternura shakespeareana a loucura do amar por ele propagada pela personagem Romeu – * “... Amor é uma fumaça que se eleva com o vapor dos suspiros; purgado, é o fogo que cintila nos olhos dos amantes; frustrado, é o oceano nutrido das lágrimas desses amantes. O que mais é o amor? A mais discreta das loucuras, fel que sufoca, doçura que preserva.”. Uma indagação pertinente.
Será que se Romeu e Julieta tivessem sobrevivido teriam vibrado de amor até a velhice? Será que ele seguraria o rosto da amada contra o sol nascente, ela já sexagenária, e a beijaria e reafirmaria todo o seu voto de amor? Será que ela com olhos languidos de ternura o fitaria e com braços longos e flácidos o envolveria num enlace de amantes?
O fogo do amor é a metade; a outra metade é conquista, é diálogo, é cumplicidade. Difícil é sim. Nós não temos o hábito de expor nossos sentimentos, uns até pode estar dizendo que é isso! Que frescura! Talvez seja isso, dialogar seja uma frescura no sentido lato do termo, refrescar, ventilar as relações humanas; mas é na cumplicidade da conversa contínua que se caminha para a conquista da outra metade, é uma sensação estranha que coisas tão simples, dá-se tantas voltas para compreender, perde-se tanto e sofre-se tanto, quanto se frustra, quanto se angustia, noites claras madrugada adentro, sonhos sepultos ainda não nascidos plenamente, famílias desgarradas, pessoas amarguradas, tristonhas caminham para o vácuo que passeiam os infelizes a se arrastarem desesperançados pela curta caminhada. Pareço ouvir o sussurrar de ** Fernando Pessoa – “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio...”. É talvez seja isso, sentar-se ao lado da pessoa que se quer e ouvi-la, sua fala, seu silêncio... parar para ouvir, e continua o poeta – “Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos/ Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas./ (Enlacemos as mãos.). É isso. Queremos ser felizes, mas não enlacemos as mãos. O que há é mais um jogo onde se quer provar que um é melhor do que o outro; mais bem sucedido, mais sagaz. E as mãos balançam estendidas ao longo do corpo, às vezes num rompante elas pressionam o crânio, mas sem dúvida mãos entrelaçadas ganham força, ganham estimulo e os corpos lado a lado sofrem menos com os efeitos dos fortes ventos, vendavais às vezes a nos lançar contra penhascos, li uma frase num folhetim assim: A amizade é uma alma com dois corpos. Sim se Romeu e Julieta tivessem sobrevivido; se tivessem cultivado além do foguear dos amantes a amizade, a cumplicidade, teriam sim sobrevivido à rotina das turbulências do dia a dia e teriam se amado e de mãos entrelaçadas teriam visto seus filhos crescerem, seus netos. Tu sabes querido que mesmo distantes estamos aprendendo a entrelaçar as mãos, é uma aprendizagem; você também que lê. É isso.
(* Da Obra Romeu e Julieta, Shekespeare).
(** Da Obra Antologia Poética de Fernando Pessoa – Odes de Ricardo Reis).