A fazenda
A casa seria mesmo tão grande ou são as recordações da infância, de uma época em que eu era pequena e a casa grande demais ???
Destacava-se no alto, branca com muitas janelas azuis. Logo à entrada um varandão, onde meu avô, que era cego, administrava seu pequeno império.
Fez da varanda seu escritório. Apenas Fugêncio, o capataz, tinha autorização para subir, pois do chão para a varanda, havia 5 degraus.
Os demais trabalhadores, faziam suas prestações de contas e os relatórios das atividades diárias, ao pé da escada.... coisas de coroné !
Durante toda a subida até a casa, grande quantidade de árvores, embora predominasse a vegetação rasteira com pequenas flores azuis, que exalavam um suave aroma campestre.
Pela manhã, ainda com o galo cantando e a neblina a gelar os ossos, iamos ao curral tomar leite direto das tetas das vacas... coisas de fazenda !
Os cavalos, não eram muitos mas tinham uma cocheira bem estruturada e Fugêncio nos acompanhava para o melhor momento de que tenho lembrança : Passear a cavalo.
A imaginação infantil criava mil histórias e cada um de nós, ( éramos 4) podia ser o que quisesse. Geralmente eu e minha irmã éramos princesas e os irmãos bandidos ou mocinhos....
Cavalgando e imaginando cenas, sob o olhar vigilante de Fulgêncio.
Atrás da casa, bem afastado, ficavam a casa de farinha e o engenho.
Ainda ouço o ranger da prensa, arrastada por dois bois... e o sabor do mel da cana, em forma de melaço... grosso e doce...que comiamos misturado com farinha...
No engenho também ficava a destilaria, claro, bem precária, de onde saia a aguardente para as festas dos trabalhadores.
O imenso terreiro era o centro de toda a vida da fazenda. Era ali que tudo acontecia. Montes de feijão secavam ao sol. E alguns homens e mulheres em volta com grandes peneiras, faziam a separação dos grãos e da palha. Faziam isto como se fossem malabaristas. Levantavam grandes quantidades de feijão para o alto e o vento encarregava-se de levar a palha.
Eu olhava extasiada pois quase não caia um grão sequer fora da peneira.
À noite, na colheita da mamona, as mulheres sentavam-se na sala diante de um balaio, para quebrar com chifre de bode, as mamonas que não se abriam ao sol. As conversas e causos e risos nos faziam ficar em silêncio ouvindo, até que o sono nos levasse para a cama.
E haviam as noites de lua...
Não havendo luz eletrica, o lampeão ficava no centro da mesa tosca de madeira, tomando quase toda a sala.
No terreiro, acendia-se a foqueira. E todos em volta a conversar e contar os causos, geralmente de assombração, até muito tarde.
A comida era sempre farta, mas bebida só em dias de festa : São João e São José, o protetor da fazenda.
No dia de São José, 19 de março, meu avô mandava buscar o padre na cidade próxima e a festa iniciava-se com a missa para abençoar as colheitas.
Café, cacau, mamona e feijão.
As cantorias ainda lembravam muito os lamentos dos escravos, pois eram quase todos descendentes.
Lembro ainda uma toada, cantada por meu tio, inspirada nesses momentos de cantoria...
"Branco quando eu tinha a tua idade
era filho da tribo mais forte, que havia em Luanda...
Branco quando eu tinha a tua idade
fui tirado da minha terra
do Congo para Luanda...
para Luanda... Luanda
Com o negro zarpa o veleiro.
Acorrentado,
Preso no chão,
Sofrendo acoites do branco...
E nas noites enluaradas
negro chora com saudades de Luanda
da tribo mais forte...
Luanda... Luanda... Luanda......"
Mas havia as emboladas, quando eles dançavam até a foqueira morrer...o que não era muito tarde, pois a festa começava cedo, assim que o sol se punha.
Era tudo muito lindo aos meus olhos infantis. E ainda é doce relembrar... e dizer como Casimiro de Abreu ...
"Oh! QUE SAUDADES QUE EU TENHO
DA AURORA DE MINHA VIDA,
DA MINHA INFÂNCIA QUERIDA
QUE OS ANOS NÃO TRAZEM MAIS"