Profana
Quando a dor abocanha minhas células, navalhas me fazem libélula a adejar nas asas de palavras ao relento relegadas. Palavras em uníssono a arranhar as janelas de minha carne, violentar minhas portas, me despir de qualquer maquiagem.
Tal qual criança amaldiçoada, esconde-se, encolhe-se minha alma nos recantos de minhas entranhas, faz manha, abandona-me à miseria da materia. Dor, essa dor a cavalgar no dorso de todos os meus poços. Esses fétidos, pútridos fetos que um dia chamei de fé a gargalharem entre um versículo e o ridículo.
Na vertigem que precede meus gêmidos, grito. Um grito agarrado a versos malditos. Profano sem piedade todos os ritos. Animais acolho em minha arca, feras alimento em meu seios. Entro em guerra. Eu, o torpe, ele o bendito. Na queda de minha alma, vejo dele, o riso. Mera peça, não peço, sou eu, a pedra. Da carne, enfim, despeço-me.