VIDA, MISTÉRIO E SANTIDADE
Por Carlos Sena
Por Carlos Sena
De repente a gente que tudo gosta de saber, de ver, de presenciar, se encontra numa encruzilhada. A vida, por si só é cheia de encruzilhadas: umas por encomenda nossa; outras por determinação da própria existência. Nós, perfeitos seguidores da filosofia de São Tomé “ver pra crer”, deparamo-nos com pequenas coisas para as quais a gente não se preparou. A gente sempre parece que está preparada para ser feliz. Como se ser feliz fosse um manto sagrado que tirasse da vida suas agruras. Ser feliz talvez diminua os naturais sofrimentos, ou talvez nos dê mais condições de ser otimistas com a existência. Amar alguém é bom, chega mesmo a ser a excelência do “estar vivos”. Contudo, nada, em estando todos nós vivos, será capaz de nos levar a uma vida sem sofrimentos. Estes são os de natureza específica, mas há aqueles sofrimentos que nós, conscientes ou inconscientemente, nos encarregamos de patrocinar.
A nossa geração metida a moderna, tudo compra pronto. Tudo gosta de pegar, de ver, de crer, desde que esteja ao alcance da mão e dos olhos. Mas a ironia da vida nos pega pelo pé, como se costuma dizer no popular. A nossa falta de preparo para determinadas coisas nos leva às surpresas existenciais. Um belo dia, seu rostinho lindo, (cheio de acne), cede lugar às rugas. Detalhe: as rugas entram em nosso rosto e a gente que tudo gosta de ver, não vê o momento exato que elas se instalam em nós. Elas, literalmente, passam em nossa cara e nós não as vemos. Os cabelos brancos! De repente, no espelho, você descobre o seu primeiro cabelo branco. Engano, pois não é apenas um. Logo você vê que tem outro e outros mais. E você não viu a hora em que ele também se instalou em sua cabeça. De repente você começa a andar mais lento, a encurtar a vista, a não achar mais graça em muita coisa. Detalhe? O momento exato em que a velhice se instala ninguém sabe ao certo, na mesma lógica que a gente sabe, por exemplo, do dia que passou no vestibular.
No vestibular da vida nem todos passam. Nele não há ENEM, nem prova escrita. No vestibular da vida passa quem não quiser tapar o sol com a peneira. Peneira da existência que não se curva aos caprichos humanos. Assim, de repente, você sente que a vida foi ontem. E você não foi preparado para a vida “ONTEM”... Nós fomos preparados para o sucesso, para a vida virtual, para o mundo eletrônico do não faz de conta fazendo. Mais uma vez de repente, a gente, devagarzinho tenta compreender a vida em seus mistérios e formas que nunca nos disseram a contento quando a gente precisaria saber.
Um belo dia, você se acha velho no espelho. Então você percebe que tem netos e que logo terá bisnetos. Perceberá que os passos lentos não têm pressa mais pra vida. Esta, que te preparou para o mundo da pressa te dá um freio de arrumação como a dizer: “quem mandou você acreditar que a vida seria como o império do consumo dita”? Então, diante da vida, dos netos, da esposa (ou não, afinal esposa não foi feita pra durar) você descobre que estão fazendo com você o mesmo que você fazia com os velhos que passavam nas ruas. Você não tem regalias nenhuma, embora tendo direitos garantidos. O ônibus não pára pra você, da mesma forma que você, quando jovem, gritava de dentro do ônibus para o motorista não parar para os idosos.
A vida que era futuro, agora parece ser ontem e seu hoje você confundiu misturando passado e futuro como se isto fosse possível. Esse erro de cálculo com a vida é fatal para a morte. Você que nunca parou para ver um jardim florido, agora o faz por falta da companhia dos seus familiares; você que não gostava de comer frutas e verduras, agora o faz por recomendação médica, pois a bebida e o álcool lhe sucatearam o organismo; você que a tudo fez acreditando que o tempo não passava, que seu rosto lindo não modificava, que as mulheres todas que te assediavam não sumiriam jamais, agora se encontra sem eira nem beira. As mulheres (ou homens)? Algumas até têm pena de ti. Outras te jogam na cara a culpa da incompetência com a vida. Assim, a vida vai cumprindo seu rito até que um dia os mistérios da santíssima trindade se desfaçam e a gente possa viver sem mistérios, mas com santidade...