Minha Caverna

Eu sei, meu amor, que poderíamos partir tudo ao meio.

Eu sei de mim, do meu vento largado, das minhas curvas fechadas,

mas não é suficiente.

Eu caio, eu capoto, giro em torno de mim diversas vezes pra poder me encontrar de novo, somente com o objetivo de obter respostas do meu eu encantado de mistério.

Eu poderia saber de nós: eu e eu. Mas não sei.

Eu poderia entender tudo sobre mim, mas não entendo.

Eu poderia ser um campo aberto, mas sou uma caverna escura, chamativa, curiosa, naturalmente fria de sentimentos correndo dentro do meu rio quente.

Eu insisto em mim todos os dias, as vezes me canso e me derrubo por vontade própria só pra saber se tenho forças o suficiente para enfrentar meu próprio eu.

Todos os dias eu esfrego o meu rosto no meu chão dias de chapisco, dias de chocolate, para que assim eu possa sentir o gosto do bom e do ruim.

E a cada vez que me perco dentro do meu rio, resolvo nadar morrendo de medo de me afogar pelas minhas dúvidas, mas nado. Pecorro e me dou voltas,percorro e me perco no próprio perdido.

E quando me encontro, sinto a insuficiência nobre de não ser suficiente por mim mesmo, por não conseguir me satisfazer somente com o meu eu, que insiste querer tudo pra ele.

Meu amor, poderíamos nos separar: eu de mim. Poderia distinguir todos os meus reflexos que crio sem perceber o risco de me confundir. E quando me enrosco nos próprios reflexos, eu me apedrejo para quebrar todas as falsas cogitações, todos os passos errados que eu já dei. Me firo com os cacos de nós: o meu eu rasgado e meu eu aflorando. Me castigo com minha carência corrosiva, ácida, as vezes parecida com o sol me iluminando, outrora com a lua, só. E quando me imagino só, lembro que não sou apenas eu, somos nós: eu e um outro alguém estranho que me reconhece todos os dias que abro os olhos, mas que não o consigo reconhecer. E só de pensar em me lamentar, nós buscamos respostas um do outro, buscamos características sábias e críticas perigosas que podem nos levar tanto ao paraíso como para o inferno. E no fim do dia eu reflito com meus reflexos no chão do meu quarto, todos me olhando, me culpando, me amando, me querendo de volta. Meus reflexos me elogiam, me contornam do avesso, brincam com minhas incertezas, me fazem lembrar que sou mais do que eu, do que um riso de canto, do que uma lágrima tímida de se expressar. Me fazem recordar que já fui pequeno, que já fui mais, menos, um, dois, muitos, poucos, e que posso ser o que quiser.

Todos os dias meu amor, conversamos no silêncio do nosso interior ouvindo o eco da solidão discutindo com o coração, da alegria gargalhando com a esperança, da tristeza lamentando as perdas, da ansiedade batendo os pés nas paredes da minha caverna. Ouço os sons de pássaros cantando novas vindas e passados deixados para trás, do que era desconhecido e agora é apenas o passado.

Ao fim de todos os dias, eu caminho dentro da minha caverna para perceber se minhas paredes estão firmes, e a noite não vejo nada. Tento tatear as rachaduras que me fazem temer um desabamento do meu teto e procuro aceitar as verdades que desgastam meu brilho.

Ao fim de todos os dias eu posso sorrir por estar vivo, por ter lembranças, por ter interesse em descobrir um pouco mais de mim, de me admirar com tranquilidade e de acreditar nesse meu outro eu estranho, vivendo dentro da minha caverna.

No fim de todos os dias, no fim de tudo, no enfim do assunto, da minha discussão, da peregrinação, o que me resta é apenas eu.

Rangel Goulart
Enviado por Rangel Goulart em 24/02/2012
Código do texto: T3516475
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