Meu mistério
Meu corte é fino, meu badalar é de um sino estridente, minha vingança é sempre plena.
Meu amanhecer se rasga ao meio, meu anoitecer duplica o meu abrir dos olhos.
Se eu fujo me encontro. Se eu caio eu ganho. Se me levanto eu tenho trauma.
Se me olhas torto, já te carrego daqui. Me fecho, me tranco até de mim.
Minha casca é grossa, meu cabelo é desordenado e meu impulso você não bate.
Meu mistério é equivalente, minhas perguntas são diferentes a cada fim.
Se eu grito é porque caio, eu subo, me divido, me firo. Minha estrada é invisível, enxergo somente onde pegadas marcam passados.
Gosto de um batuque, de um tremor da liberdade, da imensidão incompatível com o lógico.
Me vejo no alto, no plano, no baixo rio que risca meu campo aberto. Prefiro o bater de asas, o vento forte, a maré que vem da solidão do mar. E só de imaginar meu arrepio move montanhas, faz nevar no brusco sol. Só de pensar meus sopros afugentam o medo da altura, o medo de bater as asas. Eu quero o ar, quero o vento, a terra, o sol, a água e o mistério guardado em baixo de uma rocha vestida de esmeralda natural.
Quero ser homogêneo, um só. Anseio a possibilidade de me tornar natural de mim, de me encontrar onde menos espero, de correr dentro dos vasos vegetais. Poderia voar no pólen da abelha e cair em várias rosas. Quero ser a chuva plena, o doce mel. Não estou satisfeito, qualquer liberdade poderia ser pouca. Nem todos os pássaros voam, nem toda água é límpida, nem tudo é digno de ser admirável. Meu porém é a vida, é o mistério me empurrando pra longe de me descobrir por completo.