REVERIE
Portais do Mundo
Caminhe pela trilha sem parar para descansar. Caminhe até o portão e quando chegar diante dele, abra-o. Siga pela vereda de pedra até encontrar estas folhas com a mesma dramaticidade de uma criança, respire fundo e com toda a calma...elas foram aqui deixadas propositadamente num momento pretérito para que você as encontrasse. Mas isto foi há muito tempo. Num tempo em que a brisa era suave entorpecendo na tragada. Os dias sucediam-se em seus sincronismos metódicos e o hesitar era remoto para não encontrar sentido em tudo o que é consequencia de um ato.
Chegando aos portais do mundo um rosto inflexível lhe apontará os perfumados e etéreos caminhos dos paraísos e as entranhas obscuras das sendas de pedras enegrecidas que conduzem aos infernos (e todos os homens se perguntarão sobre o que aconteceu ou jamais se perguntarão novamente); hodierno que exala o odor pútrido de sua ambígua natureza. Você terá que escolher. E cada ato será uma escolha, cada olhar uma hipótese, cada movimento condenará ou libertará. Entre flores de alumínio, telas cúbicas esculpindo palácios de imagens e vozes na celeuma traumática e o movimento frenético das coisas; eis que estarás fazendo escolhas. Mas quando chegares aos portais do mundo terás a impressão de que seus pais te esconderam muitas coisas e verás o quanto a humanidade é corrupta. Prevalece a lei em lugar da caridade.
Longe dos Portais do Mundo
Em chamas a garrafa sobreviveu aos enleios dos lençóis. Em vão os lençóis tentaram aprisionar o vento que, de porta em porta sussurrou sua essência. As crianças puderam compreender os lençóis, a garrafa, o vento...mas seus olhares se perderam entre suas fantasias absorvedoras. Assim sucedeu cada milênio no copo d'água.
Em Algum Lugar do Cais
As amalgamas se romperam lançando milhões de estilhaços de mercúrio pelas calçadas. Alguns palhaços se estapearam por ínfimos pedaços brilhantes, mas ninguém tem culpa, tudo é tão confuso não é?
Peso leve ouro morto dos homens. Vagões latindo odores na noite de sereno que aprisiona reluzentes ápices. Desencadeadores de rubis desembarcando no sereno da noite do cais que não se move. Carvalho e cânhamo, mulheres na sordidez do preço barato, a ideia que se rompe e acaba numa escada viscosa e escorregadia pelo musgo esverdeado que vem das vozes...que vem das faces, seus olhares me perseguem no torpor e eu continuo dizendo: foda-se a dor. Tenho agora um calibre para estourar os crânios. Assim como Jânio que embebedou os quadros tornando-os esferas.
O Espírito Maluco e os Olhares Cinéreos
O espírito maluco surgiu, aglutinaram-se miríades de pensamentos loucos e ele apareceu, cristalizou-se diante dos olhares pasmos e todos pensaram algo em suas mentes sujas mas não ousaram dizer palavra. O espírito maluco caminha pela terra e seu corpo reluz a flama desarraigada das flores alucinantes. As matérias pensantes constituintes do senso comum temeram sua presença e fugiram de volta para o cais. Flamenjando intensamente o olho, o brilho, uma fina película de cristal veio com o vento e fez com que tudo soasse mais suave e menos hipócrita. Mesmo obstante os caretas não conseguiram compreender nada do que havia acontecido e se tornaram zumbis, seus olhares cinéreos os levaram aos confins do mundo. Uma única sereia continuou cantando:
"Você é assim
Vem e vai com o vento
Que ás vezes sopra contra
Ás vezes á favor"
Os Últimos Resquícios
Restam ainda algumas coisas e não interessa como, por que ou qualquer outra coisa. É preciso continuar atravessando o emaranhado de lacônicos segundos moucos, é preciso continuar seguindo em frente através dos sentidos todos que se imbricam ao tentar me descrever o tempo. Não importa a incógnita perene. Não importa a severa indumentária do juízo. Não importa a pétrea saudação da metrópole de ferro, cimento e aço. Não importa nada. Em gotas mortas o entorpecimento simula o roçar pelas paredes do cérebro de um pensamento que; ao escorregar e cair no chão se quebra, se parte e renasce para alçar voo. Sobrevoando este papel, esta caneta, estas letras todas que quase sem motivo procuram encontrar alguma lógica na parafernália do poema. Ora, viva a parafernália do poema, eu vou embora. Ja era chegada a hora em que a boceta assassina me engoliria por um orgasmo jactancioso. Agora esvoacem estilhaços vítreos para selar o silêncio e nunca mais voltar à metrópole.
Morpheus