A VIDA NUA E CRUA

Por Carlos Sena

 
 
Talvez o homem descubra que ele cresceu por dentro quando duas coisas forem bem claras dentro dele: a primeira é que tudo na vida passa; a segunda é que não adianta querer modificar isto. Não há mal que seja eterno nem bem que sempre dure – eis o dito popular dessa realidade nua e crua, mais nua do que crua. Na crueza da vida a certeza de que dela não se leva nada. Da nudez dela e por ela mesma, a convicção de que só a felicidade poderá nos fazer imaginar que o passageiro é eterno e que este, mesmo eterno quando passa a gente pode permanecer feliz.

A vida é nua quando a gente se veste das nossas certezas. É crua quando nossas certezas nos maltratam, mas a gente se maltrata na certeza de que tudo passa. A vida é nua quando a gente não a veste de “seda chinesa”, mas se a vestirmos de chita será a chita que escolhemos pra vestir. A vida é crua quando a gente não cozinha o próximo em banho Maria, nem transforma o - dia-a-dia dos outros em inferno mesmo sabendo que se quer o céu.

Há quem diga que viver é uma arte. Prefiro a vida sem arte, assim, nua e crua como quando a gente nasce... Nascer nu é tudo de bom e não poderia ser diferente. A gente nasce nua de vestimentas, de conhecimentos, de sabedoria, de... A gente cresce e, nem sempre, se veste com as melhores “roupas” do amor, do respeito e da sabedoria. Crua, então a gente segue em busca de que nos depuremos para nos tornar palatável rumo ao crescimento interior. Pode haver arte na vida, mas a arte quando entra na vida a vida já se fez em nós com as cores do arco-íris que comandam o universo. Crudelíssima é a vida que discriminam outros que, como nós nu nasceram. O preconceito contra os diferentes significa reduzir os nossos semelhantes a uma vida de frio e fome de conhecimentos e de paixão. “Qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d’água”... A gota d’água da vida talvez esteja nessa conjugação. Na arte não, posto que é libertação nua e crua...

Talvez os momentos mais difíceis do ser humano o sejam no administrar da solidão. Mesmo sabendo que ela passa, como não? A solidão parece nos reduzir a nudez castigada por ter pecado sem ser original. Como a vida, a solidão é nua. Crua é a companhia que a vida nos oferece sem que a tenhamos escolhido. Como se vê, passar ou não. Ficar ou prosseguir é imperativo do existir em plenitude na concepção da vida nua e crua como ela é. Sendo como é a vida nos tem como maestro. Mas nós nem sempre temos a batuta que irá reger a orquestra existencial com todos os sustenidos afinados no contexto musical.
Pela certeza absoluta de que tudo passa, a vida segue seu curso. Sempre despudorada, com sua nudez nem sempre castigada, a vida nos surpreende quando nos joga cabelos brancos na cabeça e quando tripudia no nosso rosto deixando marcas... Talvez seja aí o estágio maior dela, pois consegue ser, ao mesmo tempo nua e crua... Não adianta pintar o cabelo que o viço não volta, nem fazer do rosto um campo de plásticas que a alma não se altera pelo rótulo. Nua e crua, a vida nos refaz inteiros quando por dentro sol e solidão convivem bem; mal e maldição convivem mal; afago e mãos convivem bem; a verdade e a mentir andam de trem – o amor é a regra que o perdão não se faz refém.

PS.: Hoje é sábado de Zé Pereira. Em Recife e Olinda o carnaval toma conta de tudo. Hoje eu fui ao gado da Madrugada e vi como a vida, no carnaval, se mostra nua e crua, em festa. O que resta? Cada um tem essa obrigação de, em vida, descobrir.