PELAS RUAS DO RECIFE E OLINDA.

Por Carlos Sena/Desenhos: Pietro Eymard.


Se você me encontrar neste carnaval pelas ruas do Recife ou de Olinda, não pense que me vai ver fantasiado ou com a cara pintada – Minha cara não se pinta, se tara; minha tara não se extirpa separa. Se você me encontrar neste carnaval meio a esmo não pense que estarei triste nem solitário. A solidão não é refúgio dos decididos, mas amparo dos culpados. Toda culpa cabe nos solitários, mas no carnaval só deve haver lugar para a ilusão. Por isto, se você me encontrar no carnaval tenha certeza que ali estarei sendo feliz com toda ilusão que não tenho direito. O direito da ilusão é escasso e por isto aquela que eu quero talvez não me seja concedida.
Se você, por algum outro motivo me encontrar fora do meu Recife, não pense que não sou eu. As possibilidades disto existem, mas o Recife decreta prisão aos que lhe amam muito antes do frevo começar. O frevo da minha felicidade toca o ano todo; o frevo que canto pra quem amo toca o ano todo e eu canto no seu ouvido o ano todo. Por isto, se você me encontrar em outro local fora do Recife certamente não serei eu a quem vês. Por certo verás meus desenganos fugindo, meus choros incontidos se dilacerando, minhas angústias buscando novas moradas longe de mim. Afugentadas todas certamente serão pelos frevos de bloco que invocam o amor no bairro do Recife antigo.
Se você me encontrar neste carnaval com alguém, não se assuste. Mesmo que eu esteja só estarei com alguém que nunca me abandona. Quando estou na lona, quando estou no circo, quando estou em agonia, nunca me deixo de mim por conta da situação. Mas é certo que comigo vais ver alguém que não pode ser do usual o esperado. Então vai entender do pastoril o vermelho que se confunde com o encarnado; quem estiver comigo pode ser dois ou pode ser um; pode ser azul ou pode ser cor de rosa. Não importa se o livro é de soneto ou de prosa. Se for de prosa quero que seja no tom da liberdade que aprisionou Clarice nos seus tempos de criança na Praça Maciel Pinheiro. Se for de verso – diverso! Como os de Adélia Prado ou como os de Mário Quintana.
Se você me encontrar nas ruas de Olinda se finja. Se me encontrar nas ruas do Recife, recite um verso de Pena Filho, o Carlos que a morte precoce lhe roubou o sopro dos trinta copos de chope tão decantado no bar Savoy. Finja-se em Olinda para não se fingir no frigir que o frevo faz nas suas subidas e descidas de ladeiras. Recife mandou me chamar. Capiba e Zumba a estas horas onde é que estão?
Por isto, se você não me encontrar neste carnaval, não pense que estarei na janela vendo a banda passar. Talvez eu tenha me transformado em Flabelo na mão dalgum passista; ou em pierrô nos braços dalguma colombina; ou sendo o couro do zabumba no compasso do maracatu – ora acariciado, ora levando porrada em busca do compasso ritmado invocando orixás. Poderás me achar sendo do homem da meia noite o ponteiro dos relógios que marcam a meia noite; sendo da mulher do dia o seu dom de iludir... Se ainda não me achares, vais à ponte que serei do galo a Madrugada que acalenta os tambores silenciosos que saúdam os negros padecidos nas senzalas impunemente.
Se você me encontrar neste carnaval pelas ruas do Recife e Olinda... Escolha com quem dos três amores você quer ficar...