Monólogo  filosófico do caipira


 
Meu amigo, sou roceiro e não tive estudos.
Mas procurei observar as coisas e a vida.
Sabe, seu moço, devo estar errado, nunca sai do sertão.
Mas, seu moço, cê acha mesmo que pode chegar à uma conclusão da vida?
E começar a bater no peito que é pecador, que é isso , que é aquilo,
que é um miserável, que precisa ser punido pelo que faz e até pelo que pensa.
Ou então que é um super-homi e coisa e tal.
Que  pretensão é essa, seu moço, cê sabe o que é a vida? O que somos nós?
O  que é a terra? E o universo , antão, cê sabe?
Cê conhece Deus? Quero que fale sinceramente, só pra mim, ninguém tá ouvindo
Cê não precisa enganar ninguém.
Tamu só nóis dois
Antão?  Cê calou?
Tô entendendo: cê tá vendo agora que não sabe nada, mas gosta de parpitá, né mermo?
Como não tem outro jeito, vou parpitá também: Deus não pode ser só um velho barbudo e vingativo, num acredito nisso, não! Como também não acredito que tudo que taí no mundo seja obra do acaso.  Tá bem, é mais ou menos isso, mas é diferente... Tem que ter pensamento pra fazer obra tão bonita. Acho que o mistério todo tá no pensamento...
É por isso que eu digo que continuamos não sabendo nada e morrendo de susto com tudo que taí.     
Cê já maginô o medo, o pavor do homem primitivo? Vendo essa terra volta e meia se estrebuchar e aquele homi sem sabê di  nada? O susto que ele tomou quando viu nascer um bebê, sem saber como foi aquilo?   Ter que matar bicho pra comer. Já imaginô?           
E o que é que o homem hoje sabe? A terra continua estrebuchando, ora  ela gela, ora se resseca. O que cê sabe das estrelas, dos astros, do tempo?
E ainda por cima nóis ainda mora na crosta fininha  da terra sem nenhuma defesa, nascendo, ficando doente e morrendo. Acho que a gente é iguá  formiga. Cê vê diferença?  Eu não vejo.
E o homi continua a ter medo. Só que agora ele disfarça...
Reparou que erro pouco nas palavras? Uma ou outra palavra é que me denuncia minha origem roceira. Sou aculturado e não mais como os caipiras das estórias mineiras de Maria Mineira.
Oia, seu moço, acho que pra caipira já falei dimais.
Sabe como eu enfrento essa vida misteriosa?
Faço como o mineiro, de onde eu sou, não digo não, sou muito misturado, seu moço.  Mas nisso o mineiro deu lição pra todos nóis. Mas, oia, antis di terminá, não fala dessa nossa conversa com ninguém letrado, não! Ele pode reagir, brigar com ocê, dizendo que tu tá falando besteira. Não paga a pena! Fica inhô, tá! É mió!
O que é a vida? Ora, não sou nem a  favor, nem contra. Muito pelo contrário! 
Mas pra não ficá sem poesia essa prosa maluca, anota aí esses versos que alguém já fez: "Mas, às vezes a sodade acorda minha mocidade com tanta exasperação, que eu abro as duas porteiras dos óio, meu bom patrão e deixo que atropelada saia só numa arrancada toda a boiada das lágrimas do currá do coração."