Saudade

Por que será que poeta tem essa coisa louca de a qualquer momento, dispersar-se do universo ao seu redor, por-se em comunhão consigo e com as letras e versejar? É certo que por hora não versejo, mas jamais se sabe o que estar por vim na cabeça do poeta. A qualquer momento, quem sabe, surge algo como “amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer”. E permitam-me salientar que isso um dia nem se postulava ser poesia. Ai, o amor é fogo mesmo! E daqueles obscuros, que ardem, ardem, ardem. Maldita mania de poeta: paralelismos de ideias para reforçar a causa poética!

Há quem disse que o “poeta é um fingidor... finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”. Deixo-me, pois, o claustro, pois já não finjo, “e já não tenho escolha, participo do seu jogo.” Quisera como poeta agora para poder fingir que sinto. Que sinto. Quisera não roubar versos alheios para dizer-me. Faço-o para não ser-me poeta, ao menos por alguns instantes. Mas os instantes me contradizem.

Duas dores me acompanharam hoje: uma dor de cabeça (poeta sente) e uma dor no peito. Usurpo, sorrateira, mais uma: “É uma dor que dói no peito, pode rir agora, que estou sozinho”, salve, Renato Russo! A dor de cabeça já não me preocupa tanto quanto a dor no peito. E a dor no peito, caríssimo leitor ou caríssima leitora que me desnuda com os olhos através dessas linhas, nada tem de físico, nada tem de pertença, nada tem que a cure e que possa ser vendido em farmácias. É a saudade.

Lamento que não haja tradução para essa palavra: saudade. Teria Camões a criado? Teria ele posto essa bendita palavra no nosso campo linguístico? Camões, precisamos conversar seriamente! Tua suposta palavra, Camões, me toma o peito e me dói mais que a dor de cabeça dos tempos contemporâneos, tua hipotética palavra sem antídoto e sem grupo semântico específico, rasga-se dentro de mim e me sangra com o veneno das lembranças. Estou sob os critérios da saudade. Estou poeta, sem poesia aparente. Estou meio poeta. Porque “metade de mim é amor e a outra metade também”.

TEXTOS POÉTICOS "ROUBADOS" DE: Renato Russo, Oswaldo Montenegro, Dinho Ouro Preto / Bozzo Barretti (Capital Inicial) e Fernando Pessoa.

Rosália Cristina
Enviado por Rosália Cristina em 07/02/2012
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