ESCREVO. O INSTANTE EXIGE.

Por Carlos Sena



Escrevo. Como escritor não me sinto. Não me sinto melhor nem pior do que ninguém. Escrevo do meu jeito, nem sempre de acordo como o jeito que as coisas e pessoas são. Penso, como escritor, que me interessa mais ser “escridor” pelas possibilidades que escrever sobre nossas dores deixa. Oportunidades de gritar pelos sem gritos; de cantar pelos sem canto; de vociferar pelos simples para quem a vida lhes roubou as forças para lutar; de espernear pelos oprimidos sem que deles seja advogado, nem padre, nem comunista, mas apenas porque a injustiça dói; oportunidade, enfim, de dizer aos que sofrem que há remédios e que, mesmo sem remédios não se deve desistir da ventura da vida. O “escridor” se dilacera e se sente feliz pelo uso da sua escrita nem sempre sábia, nem sempre coerente, nem sempre poética, mas sempre comprometida com o bem e o amor.

Escrevo. Também pelo que me faz rir e sentir prazer. Escrevo por nada e por tudo. O amor, por exemplo, é tudo e pra ele eu escrevo porque é pra mim mesmo que o faço quando converso com o computador no tear das letras. Deus escreve certo por linhas tortas, dizem. Eu escrevo torto por linhas certas. As linhas que escrevo são as das minhas mãos que, como cigano, buscam o destino dos sons das letras, como se elas se bastassem em si e procurassem ser barulhos no meu texto. Meu texto não tem lógica ou tem todas, menos a lógica perversa do preconceito inventado. Inventado só o amor, diz o poeta. Por isto, feito cigano sigo linhas do tempo, apostando que no tempo eu me revele feito fotografia no escuro nos tempos da velha Kodak.

Como escridor, subtraio sempre que posso as dores dos amores. Quando a gente pensa que não há mais nada a ser dito e escrito sobre ele, eis que ele se reinventa em si. O amor é mesmo a contradição da vida. Quando pensamos que é soma é subtração. Na subtração ele soma e entre eles se multiplica dividindo mistérios. Mistérios são próprios do amor. Talvez a grande contradição de quem escreve sobre o amor é que sobre ele não se deveria escrever nunca, mas apenas sê-lo em plenitude. Mas, como um escridor pode ser feliz sem se debruçar no atelier das letras para compor uma mística popular ou erudita sobre o amor? Os mistérios da vida são os do amor. Não há mesmo mistérios na violência, mas insanidade! Não há mesmo mistérios no pecado, mas consciência pesada diante da mesquinha forma de viver sem se dar ao outro sem pedir nada em troca. O amor talvez seja um pouco disto – misto de mistérios e de obviandades que nossa pequena sabedoria não sabe definir o meio entre os dois.

Escrevo. No final da minha pagina pode não ter comentários. Pode ter como tem muitos, mas isto é de somenos importância para quem faz da escrita um ofício, tal qual um marceneiro que esculpe um guarda roupa de uma madeira bruta. As palavras brutas não são violentas com o os homens. Elas ficam ali, cansadas. Ali, paradinhas como que nos dizendo vem, tira-me daqui que eu quero alma. Há alguém que me precisa para aliviar dores, tensões, ou não. Afinal, vocação de palavras não é a solidão. Solidão é coisa nossa, das nossas imperfeições que procuramos justificar com amigos por perto. As palavras não. Elas não precisam das palavras por companhia, mas por emoção. Nessa emoção, me despeço deste domingo. As palavras vão dormir juntas até que os olhos da alma dos necessitados lhe encontrem. Não precisam ser muitos, mas apenas um, desde que sirva pra sua dor e para seu devaneio.