[O Espiar dos Pássaros]
Quietos, parados como sombras de objetos imóveis, pássaros absortos na vida que passa me espiam. Diante do quase imperceptível movimento dos seus olhos, eu, eu-vida, passo; eu sei, eu sinto intensamente que eu apenas passo... A outra vida, esse filme de impossibilidades que os loucos insistimos em criar, passa à solta, ou quase à solta... a [sonhada] vida passa ao largo para desdenhar das nossas ambições, ou passa perto, muito perto quando é para nos ferir.
... E é assim, de tanto não ir às possiblidades que, agora, eu me forço: falo comigo mesmo coisas que eu não gostaria de ouvir: as palavras que escrevo no ar me flagelam o espírito! E de tanto ouvir-me, eu crio o inferno, eu engendro a rota do inferno: descobri que eu posso ir não indo, e então eu vou — pois ir-me, é inevitável — uso o gerúndio, e vou. E assim, eu repito: eu passo... passo lentamente diante dos olhos daqueles pássaros imóveis, absortos... Com pouco, a minha figura não mais estará no caminho da luz que chegaria àqueles olhos... absortos olhos, eu digo!
[Desterro, 05 de fevereiro de 2012]