BONECA DE TRAPO

Era feia, minha boneca, mas era tão linda a pretinha!!!

Um olho não abria, só um piscava.

Cabelo não tinha. Há muito o fogo queimara.

Uma perna amputada, na guerra perdida

Ou nas montanhas de lixo de onde eu a retirara.

Mas, mesmo assim, era com ela que eu me aninhava as noites,

No meu colchão de papelão,

Abraçadinha, para juntas nos aquecermos do frio do relento.

Ela era como eu:

Nem toda desgraça por que passou conseguiu calar sua voz.

Eu a salvei do lixo, quando num solavanco, ela chorou.

Eu fui salva da morte, quando num último sopro de vida, meu choro ecoou.

Alguém me estendeu a mão e passou a aninhar-me nos braços, num colchão macio, num cobertor felpudo.

Eu não tinha mais cheiro, tinha perfume.

Vestidos de laço e sapato de verniz, eu usei.

Bonecas de porcelana, eu ganhei.

Mas a minha pretinha, aquela que me aquecia nas noites de frio, essa eu nunca abandonei.