NADA MAIS É SÓ MEU
Não tenho nada mais que me pertença
Fora o direito a vida e ao erro
Tudo que tenho (de material) me é estrangeiro
A roupa que visto não é minha
Outra mão a fez e eu comprei.
A comida que como
Mesmo que eu a prepare
Outra mão a plantou
E talvez outra a colheu
E outra mais a transportou
E outras mãos a tocaram
Mas foi a minha que a trouxe do mercado.
A água que bebo
Nem sei onde fica a nascente
Se é que vem de alguma nascente
Sou urbano, provavelmente não
Então
Os canos que trazem a água que bebo
Não os vejo
E foram outras mãos que ligaram.
Os sapatos que visto
Outras mão deram forma ao couro
E sapatos eu comprei
De outras mãos que trouxeram da prateleira.
E as coisas que uso no banho
O shampoo
O sabonete
E de manhã, o creme dental
Tudo veio de outras mãos
Mãos que não conheço
Mãos que eu sinto
Mãos que eu respeito
Mãos que eu aperto
Mãos que eu acaricio
Mãos que eu agradeço
Mãos que eu reverencio.
São mãos de minha gente amiga
Gente que ganha a vida
Vida mais que sofrida
Vida de muita lida
Gente que levanta antes do sol
Gente que lavra a terra seca e rachada
Gente que vai pro ponto e entra na fábrica
Gente que sua sob sol escaldante
Ou mesmo frente ao torno, ou no basculante.
Dessa gente não sou estrangeiro
Sou mais que um amigo
Dessa gente sou irmão.