O QUE HAVIA ATRÁS DOS PORTÕES?
...À noite, sonolentos lampiões piscavam estalos nos seu pavios lançando fantasmas nos desenhos de sombra e luz quando os móveis dançavam como monstros ao redor da fogueira e a voz do avô trazia selvas e fadas e bichos e ao longe aonde o mundo acabava,no valo atravessando como divisa estranho som da saparia em uníssono era algo que vinha da chuva, meu medo da noite com sons inexplicáveis e depois o valo foi visto de perto, um verde escuro cerrado, espadas de pés de ananás selvagemente ocupando o espaço, cheios de flores vermelhas que viravam frutos arredios com seus espinhos e eu nem sabia que muito depois do depois eu ainda viva e caminhante ia me achar novamente naquele cenário, tendo caminhado contigo em teu mundo de criança, atrás do teu portão...
Deixadas em redomas protetoras as nossas infâncias se cruzam em lembranças entrelaçadas. Sementes secas guardadas no coração para a próxima semeadura, germens de vida, porões de segredos e objetos, silêncios e algazarra , olhos nos velhos espelhos , o ranger de portas sem trincos, nossas pequenas mãos e pés, nossas tranças, bocas cheias de pão falando em risos despreocupados.
Diante desta lápide, percepções táteis da pedra fria enquanto a brisa gelada informa que novamente chega o inverno... As flores estremecem como corpos franzinos, teus olhos se perdem pra lá das nuvens e o sino sempre tocava grave quando alguém morria, do meu balanço via o cortejo passando, ela era uma mulher rica, a morte era uma mulher rica, o que era a morte pros meus cinco anos, e depois eu tive medo quando meu pai falou que ia pro morro da formiga apontando em uma direção vaga, fiquei vendo aquele braço erguido apontando pra sempre, e pensei que não gostava de formigas, onde seria o "morro da formiga"?
Por detrás dos portões da infância, pelo mundo afora, nos silêncios das madrugadas , em todos os lugares, vida e morte são um só corpo, caixões fechados ou abertos, sonhos virando verdade, verdade virando fuga, pássaro em vôo espreguiçado , asas brilhando em ouro da luz do sol, sementes jogadas ao vento caindo em terreno fértil para novas plantações, enquanto as velhas árvores suspiram e abençoam a renovação de tudo, enquanto houver um só alento, enquanto o sol nascer em dias pelo mundo afora, sobre as tragédias, sobre os amores, sobre os bons e os maus e toda gente, ainda haverá vida enquanto uma criança sorrir...
(PUBLICADO EM 2009, no Recanto e no site Luso Poemas sob outro título -
REVISTO E REESCRITO)
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