Preciso falar para alguém de um segredo sem deixar rastros.
Como contarei, deixará de ser segredo e se tornará uma confissão. Confissão, eu sei, se for feita para padre, advogado, médico e alguns outros, tem aquela coisa da ética. Mas eu queria mesmo contar para você, para que saiba, use ou que faça isto ter alguma utilidade.
O que quero lhe falar não serve para qualquer um porque o que eu descobri quase todo mundo sabe, mas você não... eu sei que não. Não é com alegria que será dito... há tristeza imensurável nisso. Então, talvez já esteja se perguntando o motivo que está me levando a lhe entristecer. É meu amor por você. Às vezes, temos que ser terríveis para com aqueles que amamos, porque é obrigatório dizer a verdade. Para alguns o conhecimento traz honra, para outros, destruição. Então, eu lhe escolhi por honrá-la. Ajoelho-me diante de você, pessoa, e lhe honro.
A verdade está fundamentada sobre a mentira.
Não queria assustar, mas é melhor assim... quanto mais eu me alongasse, mais difícil seria. E sabe por que é preciso que o âmago da verdade seja a mentira? Porque não estamos preparados para a verdade. A verdade é o núcleo da coisa toda e você sabe o que se pode fazer com o núcleo. É preciso até que sábios se reúnam para discutirem quem pode saber e usar a verdade.
Todos temos fome. Não estou falando de pão, estou falando daquela fome que não assumimos, não contamos, pois é a fome que mais queremos esconder, porque não é fome de pão nem carne, mas de sangue. E acha que já pode me julgar sem nem saber do que é que eu realmente estou falando? Então não se precipite. Vai cair numa idiotice desnecessária. Somos vampiros... Vampiros por um tempo, por todo o tempo, ou nunca, mas ainda assim, estamos ali latejantes em nós mesmos. Disfarçamos, enterramos, juramos e prosseguimos sedentos.
Quando falo em sangue, falo de vida, de essência. A felicidade é infernal mesmo, nem adianta negar. A felicidade de um é a infelicidade de outros e outros. Pode ficar irada agora, mas pensará e saberá que é e quem é realmente você. Mesmo que saiba por apenas um breve instante. Então, pessoa, não é triste o que estou lhe falando? Não é preciso amor para lhe dizer isto? Só o amor poderia permitir tal afirmação que por mais abjeta que possa parecer, é.
Mandaram-me que procurasse Jesus; eu já o encontrei muitas e muitas vezes. Encontrei-o num bar, numa feira, numa recepção, numa trepada, numa ponte, num semáforo, enfim, em vários lugares, mas eu tive olhos para ver e vi que estava conversando com Jesus. Jesus está em todos os lugares que a gente se permite ver.
Pessoa amada por mim, enquanto negarmos nossa aversiva verdade, continuaremos a esmo, a deriva que é por onde viemos até aqui. Se o aqui fosse bom, não enxugaríamos as lágrimas uma da outra.
Não é fácil aceitar, sem espernear, que não somos aquela formosura que queríamos ser.
Não somos vitimas, somos nós mesmas que fazemos o trajeto e por onde queremos. Nem pense na hipótese de falar em raça, cor, condição social e estas coisas que usamos como a carta guardada na manga... estou sangrando para conseguir lhe falar tudo isso. Estou falando de racionalidade, entendeu? Razão, não de motivação.
Você realmente conheceu uma mãe que não precisou ser infeliz para fazer seu filho feliz?
E algum filho que não foi infeliz para que sua mãe fosse feliz, ainda que lhe que custasse tanto?
Algum homem que não baseou sua felicidade na felicidade de uma mulher, ou o contrário? O tempo todo?
Renúncias. A vida é vivida pela maioria por renúncias, para que poucos sejam felizes. É assim que pensamos e isso não é verdade. Abrimos mão de determinadas coisas essenciais, falamos e calamos, damos e tiramos todo o tempo, crentes que estamos causando felicidade.
Não percebemos que a pessoa para a qual estamos nos dedicando está fazendo o mesmo, eis aí a mentira. Somos uma multidão de desesperados por não estarmos acostumados à verdade. Então, como só se pode ser feliz causando infelicidade? Simples. Não aceitamos a nossa humanidade e nem a dos outros, afinal somos tão bons, tão belos, virtuosos e irracionais.
Quando disse que a maioria renúncia para que poucos sejam felizes, prestou atenção? Eu coloquei um “pensamos”. Agora vou ser realmente cruel para com você, amor, e peço perdão, ajoelhada ainda diante de você, pessoa.
Existem sim pessoas felizes, você sabe quais são, não é? Meu bem, são os anjos que estão ao nosso redor e nem nos damos conta a não ser que tenhamos um em casa o tempo todo. São aqueles que parecem aos nossos olhos deficientes e que são os verdadeiros eficientes, pois se eles causam infelicidades para alguns, é porque estes alguns, que são muitos, fazem parte de nós, os vampiros. São. E somos os eficientes imbecis que não nos damos conta de que anjos estão por todos os lugares nos mostrando a todo instante que ser feliz é apenas ser o que somos. Feios para alguns, dignos de piedade por outros, horror para tantos, apenas por não estarmos nos padrões. Acaso já viu algum deles triste? Eu não, nunca.
É... felicidade para nós é sangue. Até quando? Até quando e quanto?
Pelo momento eu posso apenas dizer: Eu amo você e toda sua miséria humana onde ecoa minha racionalidade.
 
“Ainda que eu ande na rua ensolarada da vida, não estarás comigo; viver é uma coisa que se faz a sós.”
 
Benigna interpretatio
Rose Stteffen
Enviado por Rose Stteffen em 27/01/2012
Código do texto: T3464026
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