QUANDO AS GARÇAS BAILAM PENSAMENTOS AZUIS

Quando eu era menino ouvia as lagartas mordendo as folhas da couve. Eu tinha uma vizinha que era surda e uma outra, papuda. E tinha mais outra. Essa era louca. Mas era eu quem colecionava raios de sol. E pingos de chuva. Uma vez, borboletas voaram meus pensamentos e eu fiquei todo azul. Besouros de prata beijavam as joaninhas sob as parreiras de uva. Naquela época eu ainda não sabia que o mais importante são as insignificâncias da vida. Mesmo assim queria ser poeta. Ou talvez uma estrela. De muito gosto também era ser barquinho de papel nas corredeiras de chuva. Pastorear boizinhos de maxixe. Colecionar felipes de café. Catar as tanajuras. Desde assim pequeno ouvia os segredos que o vento murmura no ouvido da flor. Mas pouco sabia mesmo de mim. Apenas um pouco mais do que ainda hoje ignoro. Encantam-me solidões e silêncio.

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Desfuturado, percebo: o agora é um presente de Deus. E à noite sou apenas um susto que adormece. Ou sonha, talvez. E assim vou me preparando para brincar de eternidade. Quem sabe, descobrir a verdade de que morrer a cada dia é um sonho bonito de se viver. Pois só quem morre tem a sabedoria de renascer. Como estrela cadente que risca no céu um tênue perfume. E depois é cristal. Rio de prata. Um verso, um sereno. Criança de novo, brincando de orvalho. Ser poeta leva tempo. Melhor é ser corisco, esse breve grito que desenha no céu um verso de luz.

José de Castro
Enviado por José de Castro em 26/01/2012
Reeditado em 13/02/2012
Código do texto: T3462072
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